Friday, October 28, 2005

Pior era impossível

Acossada pela ameaça de uma greve que, pela primeira vez, une os sindicatos do sector, a Ministra da Educação abriu a fase do diálogo, começando as negociações com a FENPROF (dividir para reinar, pensa a boa senhora; esquece que o Mário Nogueira não brinca com o vespeiro em que ela se meteu).
O ME, e o governo, reconhecem, assim, o que aqueles que conhecem o que se passa nas escolas andam a denunciar há muito tempo - as tão anunciadas e elogiadas medidas do governo só conseguiram instalar uma total confusão nas escolas, o desperdício do trabalho dos docentes na propalada componente não lectiva é quase total, aumentaram os atestados médicos, agudizaram-se as relações entre professores e gestão das escolas, o inglês no 1º ciclo é miragem em muitos locais, são uma realidade virtual as refeições nas escolas do 1º ciclo que não têm cantinas, os pais já franzem o sobrolho à manifesta incapacidade do ME em actuar sobre o que é preciso. Acrescente-se a anunciada intenção de fechar 512 escolas "com insucesso", mais 3500 com menos de 20 alunos, e temos um bom "caldinho", para começo de conversa.
Entretanto, enquanto o governo lançava a confusão num sector já grandemente fragilizado e a requerer uma intervenção cuidada, os resultados do PISA estão aí para quem os quiser analisar, e chorar, chorar muito. Mas a isto, o governo diz nada. Pudera, para isso era preciso saber o que deveria fazer.

6 comments:

Miguel Pinto said...

Crack
Nada de pessimismos. Será caso para dizer: afinal os resultados podiam ser bem piores. Depois de uma fase prolongada de desorientação política, ataques sistemáticos à credibilidade dos profissionais do sector, políticas educativas inconsequentes, agravamento das condições de estabilidade familiar, é caso para dizer: muito bem. E veja só esta maravilha: “Em todos os domínios avaliados os desempenhos médios dos alunos nos 10º e 11º anos de escolaridade são ligeiramente superiores à média correspondente no espaço da OCDE.”
O problema estará no nosso olhar?

Pedro said...

A Ministra da Educação tem demonstrado uma preocupação desmesurada em alterar muitos das regras inerentes ao estatuto da carreira docente, mas parece esquecer-se que o sucesso escolar só poderá vingar com políticas que alterem muitos dos currículos desajustados existentes em muitas disciplinas e se a exigência e a motivação a nível docente forem uma realidade das nossas escolas... Entre muitas outras medidas...

crack said...

Caro Miguel Pinto
Os resultados parecem-me bastante objectivos, para que nos possamos conformar com questões interpretativas. Pergunto até se não tem sido essa falta de exigência, esse conformado optimismo que nos tem mantido abaixo da linha de água, onde, efectivamente, continuamos a estar.
É inegável que fizemos uma evolução e que esta partiu de limiares muitíssimo baixos, mas sabemos, também, que poderíamos, e deveríamos, ter feito muito melhor.

crack said...

Caro Miguel
Esta ministra, como alguns outros ministros e secretários de estado antes, chegou à 5 de Outubro com ideias feitas, a partir do senso comum. Uma dessas ideias é que os professores são os malandros responsáveis pelo insucesso do sistema educativo e que, antes de fazer o que quer que fosse para mexer no mesmo, havia que quebrar os professores. Foi um erro de análise, em primeiro lugar, e um tremendo erro estratégico, porque assentou em premissas falsas e não teve em consideração que não há políticas educativas bem sucedidas sem uma forte motivação e o total empenhamento dos docentes. Agora, julgo que o mal está irremediavelmente feito, e que esta equipa não conseguirá inverter o processo de conflitualidade que iniciou com as escolas e com os docentes. A substituição da ministra da educação e da sua equipa tornaram-se, portanto, uma necessidade para o governo. É apenas, uma questão de tempo.

Miguel Pinto said...

caro crack
Por que razão a educação deveria estar acima da linha de água quando o país vive imerso [salvo pequenos sectores de actividade - como o futebol por exemplo] na mediocridade?
Por que razão os alunos portugueses teriam a obrigação de demonstrar melhores resultados quando o sistema educativo de onde esses alunos emergiram vive num lamaçal de equívocos?
Por que razão a constatação das nossas limitações e dos constrangimentos que temos de ultrapassar pode ser considerado um sinal de falta de exigência conformada?
Por que razão não há espaço para outras razões?

crack said...

Caro Miguel Pinto
A sua teoria de não ser razoável exigir uma boa performance na educação, quando tudo o resto é o pântano de mediocridade que conhecemos, colhe aceitação, na justa medida da razoabilidade do argumento. Está, nessa teoria, muito bem acompanhado, nomeadamente por um dos últimos ministros da educação, o Professor David Justino.
Contudo, e pese embora a pertinência do raciocínio, todos também sabemos que a ruptura com o ciclo da mediocridade tem sido feito, em muitos países, exactamente a partir de iniciativas inovadoras, corajosas e determinadamente prosseguidas no domínio da educação. Os resultados, que todos conhecemos, falam por si. O relatório Pisa, ao qual fazemos uma diferente abordagem, evidencia algumas situações que são exemplo de países que estão investindo na educação, para inverter o seu ciclo da mediocridade, e mostra como os resultados compensam esse esforço.
Acontece que, para que isso seja possível, não pode haver complacência com o lamaçal de equívocos, que muito bem refere. Lamaçal que tem sido um "fado" nestes anos da nossa democracia, que os outros tempos não vêm ao caso, apesar de algumas tentativas sérias que alguns dos inquilinos da 5 de Outubro ensaiaram, mas que abortaram nas praias do conformismo ancestral, do corporativismo oportunista e do discurso demagógico.
Caro Miguel Sousa, visito o seu excelente blogue e li, atentamente, o que escreveu sobre este assunto, não me parecendo que aquilo em que discorde de si seja o que, nas conclusões a tirar do Pisa, é mais substantivo. Julgo que concordamos no diagnóstico geral – que um dos nossos maiores problemas é a fraquíssima qualificação base da generalidade da nossa população adulta, factor que influencia fortemente a nossa tradicional falta de exigência quanto ao sistema de ensino, o sermos avessos ao saber rigoroso, e considerarmos que a qualidade prejudica a iniciativa, confundida esta com espertalhonice e desenrascanço, "competências" que nos habituámos a considerar como factores imprescindíveis ao sucesso pessoal. Acrescente-se a isto o nosso pendor para o saber livresco, bem ilustrado na falta de competências dos alunos para a resolução de problemas (muito bem identificada no Pisa), e um sistema de qualificação que tem sido mais destinado ao cumprimento das regras dos financiamentos disponíveis do que às reais necessidades do país, e a situação actual da educação não nos surpreende, não é verdade?
Haverá espaço para outras razões? Obviamente, mas o que me parece é que temos centrado demasiadamente nessas outras razões toda a nossa acção, com os míseros resultados que nos chegam, avaliados por entidades externas credíveis. É tempo de arrepiar caminho, diversificar, efectiva e racionalmente, a educação pós-básica, introduzir uma mudança radical na cultura das escolas e promover e apoiar formas de liderança para a mudança. Só que, para que isto começasse a ser possível, era preciso que a equipa que "governa" a educação soubesse o que está a fazer. Mas não sabe, nem parece querer saber.