Monday, January 31, 2005

É Fevereiro, é Carnaval...

Com a chegada de Fevereiro, entramos na recta final desta correria louca e sem sentido em que se tornou o XVI Governo. Perante a tempestade, que inexoravelmente se abaterá sobre nós, é tempo de pausa, de bonança e de robustecimento.
Atrás de nós, fica o espanto do impensável. À nossa frente, a perplexidade do por demais conhecido.

«Compassion is the basis of all morality.»*


É já um exercício penoso ler,ouvir, ou ver notícias sobre Santana Lopes, quer enquanto Primeiro-Ministro, quer como candidato a tal. E é penoso, porque da degradação psíquica, moral e física de um ser humano se trata, mostrada em directo e sem os retoques da cosmética social, que o mais elementar bom senso impõe aos humanos sãos, a partir da chamada idade da razão.
O diagnóstico clínico pode não ser ainda a loucura, mas ninguém pode fazer o que Santana Lopes está a fazer a si próprio e continuar a ser considerado responsável pelos seus actos.
Se fosse possível esquecermo-nos, por momentos, das consequências terríveis que a situação nos criou, seríamos talvez capazes de nos compadecermos do homem a apodrecer por detrás do que nos parece ser apenas uma galopante inabilidade política, quando esta mais não faz do que servir de latíbulo a um problema muito mais grave.
* Arthur Schopenhauer

Espaço de perplexidade

Escreve Rui Costa Pinto, na Visão:

«A intolerância e o crescente moralismo estão a devorar o debate político, que deveria servir para fomentar a avaliação das propostas apresentadas por cada uma das forças políticas.»

Espaço de perplexidade


Reclamamos destes políticos que se servem do país e não o servem, no que temos toda a razão; lastimamos a ausência de políticas que nos façam sair do atoleiro da ignorância, da inoperância e do compadrio, em que esses políticos nos têm, impunemente, mantido; mas qual é, verdadeiramente, o nosso grau de exigência, ou a legitimidade desta?
José António Lima abordou a questão na semana passada, no Expresso:
«A maioria dos portugueses (e dos que falam de alto e com desprezo dos políticos e das eleições) prefere ler «A Bola» ou a revista «Maria» (as tiragens são de centenas de milhares por semana) ao enorme esforço mental de se informar sobre um ou dois programas eleitorais. Prefere ver uma telenovela, uns palermas do riso ou uma qualquer quinta de nulidades à cansativa tarefa de seguir durante mais de dez minutos um debate sobre questões sociais ou políticas (os «shares» são esmagadoramente esclarecedores).

A maioria dos portugueses (e dos que tanto deploram o «oportunismo» dos políticos) queixa-se muito da fraude e evasão fiscais mas recusa (ou não pede) facturas por sistema e fecha convenientemente os olhos ao amigo que declara falências fraudulentas e ao familiar que não declara o grosso dos seus rendimentos aos impostos. Queixa-se muito da burocracia e do mau serviço do funcionalismo público, mas não resiste a meter umas «cunhas» aos conhecidos do partido, quando os governos e as autarquias mudam de cor, para darem emprego a mais uns quantos e encherem a Administração Pública de clientelas partidárias.»

Friday, January 28, 2005



«A política tem vindo a exigir cada vez mais aos seus protagonistas capacidade técnica de representação cénica como resposta às exigências de crescente transparência (pública e privada) e ao crescente poder invasivo da televisão. O próprio conceito de espaço público alterou-se profundamente: deslocou-se do campo físico do território urbano para o campo simbólico do espaço cénico.»
João Almeida Santos, Diário Económico


Espaço de perplexidade


Palavras de Jorge Sampaio, na sessão solene de abertura do ano judicial, no Supremo Tribunal de Justiça:

«A concertação entre as forças políticas, porque se trata de execução a médio prazo, é uma condição de viabilidade da reforma da justiça e de afirmação da supremacia do Estado num sector tão vital para o nosso desenvolvimento, para a nossa liberdade e para a nossa segurança.»

«Se as forças políticas associarem ao seu compromisso o dos representantes das várias profissões forenses, e a activa cooperação dos conselhos superiores das magistraturas, então terão conseguido uma larga e útil base de apoio para um combate que é difícil e é moroso.»

«A reforma da justiça não é uma mera questão de maioria parlamentar e de coragem política de um governo para afrontar interesses instalados e corporações, que, todos sem excepção, como o passado abundantemente evidencia, reagem e abrem frondas perante o menor sinal do que entendem ser uma perda de poder.»

Antologia

Como é possível perder-te
sem nunca te ter achado
nem na polpa dos meus dedos
se ter formado o afago
sem termos sido a cidade
nem termos rasgado pedras
sem descobrirmos a cor
nem o interior da erva.

Como é possível perder-te
sem nunca te ter achado
minha raiva de ternura
meu ódio de conhecer-te
minha alegria profunda


Maria Teresa Horta

Espaço de perplexidade

Como escreve hoje no Público Isabel Arriaga e Cunha, Portugal tem os níveis de qualificação profissional mais baixos da UE . Segundo o seu artigo, uma bateria de relatórios da UE conclui que «Portugal mantém a mais baixa taxa de produtividade do trabalho de toda a União Europeia (UE) e a mais alta de abandono escolar, um dos piores níveis de qualificação profissional e um dos mais elevados riscos de pobreza e de exclusão social.»
Para a gravíssima situação em que Portugal se encontra, contribuem os números do abandono escolar, «40,4 por cento dos estudantes do ensino secundário, contra 15,9 por cento no conjunto da UE, e quase 40 por cento dos universitários», a que se somam: um ensino universitário que se mantém cego e surdo às reais necessidades de formação, fornecendo «cursos que não são suficientemente relevantes para as necessidades do mercado de trabalho» ( o que, « segundo Bruxelas, suscita "uma preocupação particular"»), a «baixa produtividade do trabalho, que, em 2003, representava 58,1 por cento do valor médio da UE» e os «tradicionais sectores económicos assentes em actividades de trabalho intensivo mas de fraco valor acrescentado».
Para Bruxelas, a «situação relativa à pobreza e à exclusão social permanece preocupante».
E nós por cá, todos bem?

Thursday, January 27, 2005

«Santana descolou»

Diz-se, no PPD/PSD.



Photo: Scott Mutter

Espaço de perplexidade


O conceito, para mim novo e preferível ao estafado indecisos, li-o hoje em Pacheco Pereira, no Público. Com descaramento, adopto-o e adapto-o como tema recorrente da perspectiva pessoal de alguns dos assuntos que deveriam ser objecto de debate, SÉRIO, nesta campanha eleitoral.
Por exemplo, hoje, no mesmo jornal, Luís Costa dedica-se ao estudo sobre o poder de compra concelhio realizado pelo Instituto Nacional de Estatística.
Constata ele que: «...o Norte, embora sendo a zona do país com população mais jovem e maior potencial dinâmico, é actualmente a região mais desprotegida e a que menos tem beneficiado da actividade redistributiva do Estado; e que sem investimento público, pelo menos numa fase de ressuscitação, o precipício está ao alcance de um passo.»
Como muito bem conclui, nenhum dos dois potenciais vencedores das eleições parece ter percebido isto; só que o drama não é temer que não vão a tempo de perceber, mas verificar, pelo ruído das respectivas campanhas, que percebê-lo não é uma questão de tempo, mas de vontade.

Wednesday, January 26, 2005

Antologia




A ciência, a ciência, a ciência...
Ah, como tudo é nulo e vão!
A pobreza da inteligência
Ante a riqueza da emoção!
Aquela mulher que trabalha
Como uma santa em sacrifício,
Com quanto esforço dado ralha!
Contra o pensar, que é o meu vício!
A ciência! Como é pobre e nada!
Rico é o que alma dá e tem.

Fernando Pessoa


No silêncio todos somos iguais (III)

O serviço público de televisão debateu ontem a educação, no contexto ( e por falar em contexto, vale a pena ler) de uma semana de grandes (apenas no tempo) debates, com os quais, com pompa e circunstância, entendeu fazer, neste período pré-eleitoral, o diagnóstico do estado da nação.
Em época de saldos, a RTP não resistiu. Resultado: déjà vu e démodé.
Se, quanto ao painel de convidados, somos levados a duvidar da sanidade mental de quem convidou, quanto ao painel de responsáveis dos partidos, ficamos com a certeza de que tudo vai continuar na mesma, isto é, vamos estar cada vez pior.
O ex-ministro do PS, apesar da sua incomparável qualidade face aos restantes comparsas de “mesa”, viu-se aflito para nos fazer crer que algo de novo podemos esperar relativamente ao que o ministério produziu quando por lá passou. Ele não acredita, nós também não. Ficamos por isso mesmo.
A deputada do PCP mostrou o que valem anos de tarimba na assembleia e nas comissões de educação, esteve igual a si mesma (e, nesta matéria, está sempre muito bem, por bem informada, por acutilante, por incómoda) e brindou-nos com mais material para pensar do que os restantes todos juntos. Infelizmente, e porque as coisas são como são, grande parte dele será desperdiçado.
O representante do BE brindou-nos com a sua presença e, com isso, trouxe-nos algo valioso: ficámos com a certeza que, despido o diáfano manto da demagogia, o bloco nada tem a dizer sobre educação. O senhor teve os seus minutos de fama, passa a pasta ao folclore na assembleia, tudo como dantes.
Os representantes do PSD e do PP estavam, à partida, numa situação “ingrata”: sendo os actuais secretários de estado, poderiam ser confrontados com a obra feita, ou com a ausência desta, e quaisquer propostas para o futuro ficariam desde logo diminuídas, por estarem a ser assumidas por governantes desgastados pela desastrada acção governativa desta trapalhona equipa da educação. Impunha-se, portanto, inverter a lógica e reverter a situação a favor dos respectivos partidos e seus programas.
O representante do PSD acusou o peso da situação em todas as suas infelizes intervenções, o que foi visível até na postura tensa, na voz vacilante e incerta, no olhar doentio. Sabiamo-lo fraco, lamenta-se que seja tanto. Para além do vazio do seu discurso, o seu partido fica a dever duas pérolas a este doutorado em psicologia: em directo, completamente perdido e submisso, diluiu o programa do governo do seu partido para a educação nas poucas linhas de actuação alinhavadas pelo seu oponente do PS e demonstrou que, para este PSD, o XV governo é um sapo mais difícil de engolir do que os governos do Engº Guterres. Como tiro no pé, melhor era impossível.
Sobrou o representante do CDS/PP, ele também secretário de estado em funções e que era, quando tomaram posse, o elo mais fraco, ou o peixe fora de água, na equipa da educação. Conseguiu ser sério, ao mostrar que leu, que se informou, que PENSOU. É certo que mostrou pouca obra feita, ou iniciada, mas é preciso que se saiba que, no imobilismo que caracterizou o ministério de Mª do Carmo Seabra, foi o único que conseguiu dar continuidade ao que estava em curso, redefinindo estratégias e encontrando percursos. Percebeu-se que será o único que, no seu ministério, pode invocar ter visto o seu trabalho interrompido. Não é pouco, e o mérito é todo seu.
Fátima Campos Ferreira esteve particularmente infeliz, permitindo que corressem à solta as banalidades e cerceando as raríssimas intervenções em que se adivinhava poder haver um maior fôlego.
Em conclusão: no sentido que David Justino lhe dá, no silêncio todos foram iguais, neste debate.

Satin



«Eu hoje ando atrás de algo impressionante
Que me mate de susto
Um impulso, um rompante...»

Adriana Calcanhoto

Tuesday, January 25, 2005

Antologia

Somos os filhos da época,
e a época é política.
Todas as coisas - minhas, tuas, nossas,
coisas de cada dia, de cada noite
são coisas políticas.
Queiras ou não queiras,
teus genes têm um passado político,
tua pele, um matiz político,
teus olhos, um brilho político.
O que dizes tem ressonância,
o que calas tem peso
de uma forma ou outra - político.
Mesmo caminhando contra o vento
dás passos políticos
sobre solo político.
Poemas apolíticos também são políticos,
e lá em cima a lua já não dá luar.
Ser ou não ser: eis a questão.
Oh, querida que questão mal parida.
A questão política.
Não precisas nem ser gente
para teres importância política.
Basta ser petróleo, ração,
qualquer derivado, ou até
uma mesa de conferência cuja forma
vem sendo discutida meses a fio.
Enquanto isso, os homens se matam,
os animais são massacrados,
as casas queimadas,
os campos de tornam agrestes
como nas épocas passadas
e menos políticas.


Wislawa Szymborska


«No silêncio todos somos iguais» (II)


Outro ex-ministro da educação veio esta semana falar sobre o tema. No que ao ensino não superior diz respeito, Marçal Grilo, numa entrevista que nos deixa a pensar se não estará a perfilar-se para o inevitável pós-socrático/guterrismo, aborda também alguns dos “dramas” da educação em Portugal, numa perspectiva de certo modo diletante – centrar nas escolas a capacidade de gestão suficiente para que estas possam assegurar o cabal cumprimento das finalidades a que se destinam, em padrões de exigência e de qualidade correspondentes, quer às necessidades decorrentes da sua realidade concreta, quer aos recursos adequados e disponíveis para suprir estas. O caminho é, necessariamente, por aí, mas a estrada está cortada, como o próprio reconhece.
Pelo meio, Marçal Grilo coincide com Justino na necessidade de lideranças fortes nas escolas e no reconhecimento do papel determinante dos professores no sucesso da escola junto dos alunos; não escamoteia uma realidade incómoda para grande parte das famílias – que é a ausência de uma correcta noção destas de qual deve ser o papel da escola na aprendizagem dos seus filhos que engrossa as estatísticas do abandono escolar – e não deixa de pôr o dedo na ferida aberta que é a relação perversa entre a administração e os sindicatos da educação, tão exemplarmente exposta no último concurso de professores.
Marçal Grilo retoma alguns dos pontos fortes do seu pensamento, enquanto ministro, e continua a pensar muito bem, mas nota-se-lhe ainda aquele desencanto do “não é possível”, com que acabou por deixar marcada a sua passagem pelo ministério.

«No silêncio todos somos iguais» (I)

É o título do livro que David Justino lançou na passada quinta-feira, em Lisboa, com a sua análise dos resultados dos rankings das escolas, a partir da classificação feita com base nos resultados dos exames nacionais do 12º ano, nos últimos cinco anos.
Para além do livro, leitura a reter, ficam-nos: a satisfação de ver dado por findo o tabu para falar de educação, que se auto-impusera; poder constatar o regresso daquela alegria de quem pensa, há muito, as questões da educação a partir do real, do que se pode, e deve, fazer; verificar que recuperou, vintage, a força com que um dia entrou na 5 de Outubro e com que conseguiu entreabrir as ferrugentas portas do velho ministério; reencontrar a frescura de pensamento, que sempre lhe guiou o discurso e a acção, e que quase o tornou o melhor ministro da educação das últimas décadas.
Foi confortável, e animador, sentir que continua aí, pensante e actuante, e que continua a ter a coragem de nos vir dizer, com aquela simplicidade desarmante de quem sabe, que «o que importa realmente para os bons resultados das escolas, é a organização, liderança, qualificação e motivação dos professores».

Monday, January 24, 2005

Esperemos que não seja mais um para morrer na praia...

«Promover os livros, criar novos públicos leitores e enraizar hábitos de leitura nos portugueses, começando pela população escolar, são os grandes objectivos do plano (Plano Nacional de Leitura), que terá nos estabelecimentos de ensino o principal campo de actuação.»



Vale a pena ler todo

«Eu sou completamente contra esse coro folclórico de um feminismo retardado, apostado na total desresponsabilização dos machos envolvidos na progenitura.»

Claridades do sul

Eu gosto das aldeias sossegadas,
com o seu aspecto calmo e pastoril,
erguidas nas colinas azuladas,
mais frescas que as manhãs finas de Abril.

Pelas tardes das eiras, como eu gosto
de sentir a sua vida activa e sã!
Vê-las na luz dolente do sol-posto,
e nas suaves tintas da manhã!...

As crianças do campo, ao amoroso
calor do dia, folgam seminuas,
e exala-se um sabor misterioso
de agreste solidão das suas ruas.

Alegram as paisagens as crianças
mais cheias de murmúrios do que um ninho:
e elevam-nos às coisas simples, mansas,
ao fundo, as brancas velas dum moinho.

Pelas noites de Estio, ouvem-se os ralos
zunirem nas suas notas sibilantes...
E mistura-se o uivar dos cães distantes
com o cântico metálico dos galos.


Gomes Leal

«Há um país imenso mais real, do que a vida que o mundo mostra ter ...» *

A propósito do artigo de hoje de José Carlos Abrantes sobre a responsabilidade dos media no nosso colectivo desânimo, e embora concordando com ele, na generalidade, convém não esquecer como, no meio do circo informativo em que já se transformou esta indescritível pré-campanha, conseguimos encontrar oásis de sanidade e de lucidez, que só não nos deixam uma réstea de esperança, porque não podemos ter ilusões no futuro da relação, crescentemente fatal, entre os media e a política.
Honra seja feita a inúmeros comentadores da nossa praça, pois a eles se devem, nesta fase da campanha eleitoral, o mais cru diagnóstico e a mais adequada terapêutica para os males que nos afligem. Efectivamente, as mostras de solidez de pensamento próprio, de qualidade, de rigor e de exigência na reflexão sobre o Estado, a Administração e as Finanças Públicas, a Saúde e a Educação, estão a ter origem, com maior acuidade e frequência, no grupo dos comentadores, jornalistas e opinion makers, mais do que no dos políticos, ou no das personalidades que, de alguma forma, influenciam a vida política nacional.
O fenómeno parece-me explicável, por variadas razões – a formação, elevada qualificação e especialização de alguns comentadores; o distanciamento que conseguem manter dos interesses que condicionam a acção política; a liberdade individual que esses comentadores têm face a alinhamentos editoriais; a falta de apetência por uma carreira política. No outro extremo, o dos políticos e personalidades “parapolíticas”, encontramos o oposto: a erosão e vulnerabilidade reflexiva a que, inevitavelmente, a actividade política conduz; o espartilho partidário dos compromissos que não se podem romper e das rupturas que não se podem fazer; a falta de investimento sério e descomprometido no estudo, no conhecimento e no saber.
Quem acompanha a comunicação social pode ser levado a pensar que temos, hoje em dia, mais e melhores comentadores políticos do que que políticos “de topo” no activo, o que, de certa forma, será o que introduz perversidade no “sistema”. Sem entrarmos no universo do comentário “cabalístico”, e não estando em causa as teias dos interesses das empresas de informação ao serviço dos partidos, há comentadores que, com os seus artigos de opinião, identificando erros e desfazendo acções governativas, desmontando deslizes e desmandos da oposição, sacudindo e pondo a nu interesses de grupos, empresas e consórcios, apontam caminhos certos para a reforma do Estado e para o saneamento do pântano em que a vida política portuguesa se tornou. Deverão, por isso, tornar-se políticos? E se sucumbissem a essa tentação, será que seriam bons políticos? A resposta deverá ser, provavelmente, negativa, mas o certo é que o serviço que prestam acaba por ser, não apenas estéril, como profundamente traumatizante para o comum cidadão – dão-nos a conhecer o veneno, informam-nos sobre qual é o antídoto, mas ficamos sem ter quem o aplique.
Talvez que a alguns reste, como diz Abrantes, «ver que a vida, individualmente considerada, baseada na nossa experiência pessoal, encerra algum progresso, alguma esperança e, mesmo... alguns motivos para sorrir». Parece-me pouco.

* Fernando Pessoa

Thursday, January 20, 2005

Antologia


From a branch
The bird called:


I HOLD your heart!
I wash it
And scour it
With bits of song
Like pebbles;
And your doubts
And your sorrows
Fall—drip, drip, drip—

Like dirty water.

I pipe to it
In little notes
Of life clear as a pool,
And of death

Clearer still;
And I swoop with it
In the blue
And in the nest
Of a cloud.



Max Michelson

Tuesday, January 18, 2005

"código de conduta para a responsabilidade eleitoral"


Diz Vital Moreira, no Público de hoje, a propósito do dito código que « todos os partidos, designadamente os mais prováveis candidatos ao Governo, deveriam observar em eleições, nele deveriam figurar (para além da exigência de lisura de procedimentos no combate eleitoral) pelo menos as seguintes regras imperativas: um diagnóstico suficientemente elaborado e sustentado sobre a situação do país, tal como cada partido a vê; uma avaliação do governo cessante, com um juízo sobre as principais medidas consideradas positivas e negativas; uma exposição minimamente densificada das linhas de orientação política que propõem e das principais soluções políticas a adoptar, caso venham a formar governo; uma indicação pelo menos genérica da equipa de protagonistas com que cada força política conta para levar a cabo o seu programa (para além das indicações que decorrem das listas de deputados); um esclarecimento sobre as alianças políticas em que apostam, ou ao menos as que excluem, caso elas venham a tornar-se necessárias para viabilizar soluções de governo.»

Observado o nosso eleitoral momento, percebemos como os nossos partidos entendem um código destes (com a nossa benemerência de fazer de conta que acreditamos que o têm) de uma forma cada vez mais telegénica.
Depois, admiramo-nos (ou talvez não) com o descrédito dos cidadãos na política, como mostram os resultados do inquérito de opinião que o mesmo jornal publicou.

Sócrates

Alguém tem de avisar o candidato a Primeiro-Ministro de que se deve deixar de jantaradas. Evitará o pouco saudável hábito de ter de vir desdizer-se ao almoço do dia seguinte.

Friday, January 14, 2005

«Though this be madness, yet there is method in 't.»*

Começo a achar que os constantes tiros nos pés com que Santana e a sua equipa nos brindam diariamente não resultam de incapacidade dos próprios, do azar, ou da má-vontade da comunicação social. Estou a convencer-me que são, isso sim, uma eficaz estratégia de camuflagem.
Vejamos dois dos casos mais recentes:
Professores avulso - com o seu absurdo comentário sobre a ida à Assembleia, a Ministra da Educação pôs tudo em polvorosa. O que restou de um assunto tão melindroso como o relatório da IGF sobre os erros que se verificaram no concurso de professores? Infindáveis referências em jornais e televisões sobre a falta de tino da senhora, uma azeda chamada de atenção do Presidente da Assembleia, umas vagas referências a que os responsáveis seriam os funcionários dos serviços e... ficámos por isso mesmo. Exigências quanto à divulgação do texto do relatório da IGF, ou pedidos de esclarecimentos quanto às responsabilidades que nesse relatório não podem deixar de ser atribuídas a esta equipa governativa (não esquecer os elevados custos que as levianas decisões desta ministra irão ter), nickles. Resultado: o povão contentou-se com o circo, quando devia exigir o pão. E esqueceu...
Abismos petrolíferos – um resort de luxo, um falcon fretado, uns mergulhos em tépidas e calmas ondas, e eis o caldinho pronto para deixar uns quantos meninos da comunicação social, com pouco mundo, em absoluto estado de histeria. Surfando a onda da lusitana mesquinhez, vem o Primeiro e manifesta-se incomodado, salta o ministro e diz que não sai mas quis sair, tal o incómodo do outro; para condimentar a africana expedição, juntam-se-lhe umas gotas de petróleo, uma missão negocial secreta, mais um ministro que não sabia de nada, mas que devia saber e...pronto. Mais uma corrida, mais uma vez tudo se baralhou e ninguém pergunta o que deveria sobre o assunto. Continuamos satisfeitos com o fait-divers.
A repetição, em cadência galopante, força-nos a perceber que é tudo demasiadamente grosseiro para ser credível. O melhor é começarmos a ter medo, muito medo, do que se vai descobrir por baixo de todo este make up.

*William Shakespeare

Wednesday, January 12, 2005

(Com o PS) Portugal vai ter um novo rumo

Em direcção às Berlengas, presumo.

Tuesday, January 11, 2005

A propósito

Neste blog (qualquer adjectivação seria menorizá-lo)temos um dos mais conseguidos exemplos de como os comentários podem constituir uma mais-valia.

Vale a pena ler.

«O Terrorismo de Género tornou-se banal para os meios de comunicação e não pela omissão da brutalidade dos assassinatos.»

«To avoid criticism do nothing, say nothing, be nothing.»

A propósito de umas “guerras juvenis” sobre a “democracia” que estará subjacente à possibilidade de se comentar, ou não, nos blogs, recordei esta frase lapidar de Elbert Hubbard.
Efectivamente, depois de algumas acesas discussões com os que são “apenas bloguistas”, com outros “apenas comentaristas” e outros que não são nem uma coisa nem outra, ou são ambas, decidi-me, simplisticamente, sobre o assunto- tudo é aceitável, e “democrático”, e fica bem, desde que faça feliz(es) o(s) seu(s) autor(es).
Viajante de um número significativo dos blogs do meu contentamento, encontro várias modalidades: com, sem, com um (inteligente) meio termo – faz-se uma selecção dos mails recebidos e o autor transcreve o(s) que mais se adequa(m) à “linha editorial” do seu espaço.
À juventude irrequieta, direi que parece ser esta a melhor opção para os muito inseguros, ou para aqueles que têm (ou pretendem vir a ter) nome feito na escrita, na política, em qualquer coisa, atendendo a que nem sempre os comentários são aceitáveis, ou enriquecem o blog, ou espicaçam com pertinência os seus leitores, ou afagam o ego do(s) seu(s) autor(es).
Cá por mim, a quem o espaço de comentários já veio com o “pacote” (ai esta incapacidade tecnológica), a questão não se colocou, nem se evidencia necessidade de se colocar. Pessoalmente, prefiro aqueles blogs que permitem comentários, porque as mais das vezes, sobretudo porque os bons bloguistas se comentam uns aos outros, as picardias e as “bocas” são tão, ou mais, interessantes do que o próprio post. Ao penitenciar-me de um erro - nem sempre resisto a comentar “pesado”, i.e., demasiado longa e seriamente – percebo, contudo, umas das muitas razões por que são tantos os blogs que fecham a porta aos intrusos.
Como em tudo na vida, é também uma questão de inteligência e de aprendizagem – dos que postam e dos que comentam. O tempo, que trará a generalização do uso deste meio, fará o resto.

Santana Lopes e os lobos

Em alguns jornais deste fim-de-semana, semanários incluídos, houve uma curiosa sintonia: chamava-se a atenção, quer para o "azar", quer para a dureza de tratamento a que têm estado sujeitos Santana Lopes e alguns membros do seu governo.
Aos incautos, esses artigos de opinião quase fazem passar esta mensagem: a de um eterno e prometedor (quase messiânico) candidato a líder do PSD que, quando finalmente chega à cadeira do poder, é sacrificado pela cáfila de invejosos e despeitados, a quem a sua poderosa personalidade inspira os mais ultrajantes vexames e as mais vergonhosas traições; invocam-se circunstâncias funestas não imputáveis ao governo e, muito menos, ao político finalmente ao leme, e eis que assim justificam que está a ser criada a conjuntura propícia à eliminação definitiva do Pedro e do Santanismo da vida política nacional.
Claro que nem todos os artigos procuram, genuinamente, passar esta imagem; lidos com atenção, constata-se que, na sua ironia, alguns procuram até o efeito oposto e a evidência do ridículo que é pressupor tal conjuntura. O facto é que, com ironia ou sem ela, a imagem de um Santana qual São Sebastião crivado de setas instala-se, subrepticiamente, e colhe alguma aceitação, tantas e tão frequentes são as situações duvidosas, as trapalhadas absurdas, as contradições ridículas e os abusos impensáveis, de que a comunicação social se teve de fazer eco nestes curtos meses.
E no entanto...
Não vale a pena repetir o exercício de confirmar a existência dos "casos", mesmo só dos conhecidos, um a um, para determinar do azar da personagem. Os "casos" existem, são demasiados aqueles que, infelizmente, lhes sentiram na pele os efeitos. Muito menos se justificaria iniciar uma tese com a análise do tratamento dispensado pela imprensa a Santana, neste seu papel de chefe do executivo.Tem sido branda, ou desatenta, tanto se ficou por escalpelizar e divulgar nos media, como sabe qualquer um medianamente informado.
O que é grave é que se a realidade supera, em muito, o que tem sido divulgado, fica muito aquém da nossa mais vertiginosa imaginação. Há que ter consciência de que temos apenas conhecimento da ponta do iceberg, daquilo que, após muita filtragem, muita peneira, muita pressão indevida, acaba por sair para a opinião pública sobre as actividades dos gabinetes, dos responsáveis governamentais e dos políticos que os acolitam. Sabermos que é assim dá-nos a medida do desastre a que se chegou, entregues que estamos a quem sofre de algo pior do que o amadorismo: uma incompetência total, aliada a uma absoluta ausência de inteligência e a uma despudorada falta de escrúpulos. É por isto que, nem a brincar, se deve admitir a lavagem da acção governativa de Santana Lopes, como parece estar já a ser tentada.

Monday, January 10, 2005

Caldeirada à moda de Coimbra

No seu artigo de hoje, Graça Franco refere-se, com graça e muita oportunidade, ao custo por aluno no ensino público, segundo dados avançados pelo Governo:4200 euros. Ela própria se refere ao montante como surpreendente, e é-o. Primeiro, porque esse valor exacto nunca tinha sido determinado sem margem para dúvidas, nem era do conhecimento dos próprios serviços do Ministério ( para já não falar de que à volta desse desconhecimento circulavam algumas das piadas mais saborosas do ME) ; depois, porque o custo por aluno varia consoante os níveis de ensino, e todos os valores de referência que se conheciam, até há muito pouco tempo, eram significativamente inferiores ao agora revelado.
O que levaria o Governo a avançar tão diligentemente com esta prestimosa e surpreendente informação?
O artigo acaba por dar a resposta.
Com tão relevante informação, podem os colégios com contrato de associação berrar que estão a ser mal pagos e exigir uma actualização do financiamento que estão a receber do Estado; podem os interessados (e são tantos!) defender que o Estado poupa se reconhecer, de uma vez por todas, o direito de aprender e de ensinar, leia-se, se der 4200 euros a cada família e a deixar escolher a escola (privada, claro!) em que quer colocar as suas crianças, libertando uns quantos empresários do ensino privado do pesadelo de assegurar a sobrevivência dos seus estabelecimentos.
Não foi em vão que os interesses das escolas privadas conseguiram instalar-se no Ministério da Educação, com esta equipa governativa. Em pouco tempo conseguiram o que se propunham: fazer os jeitos aos amigos todos. Nem que para isso tivesse sido preciso colocar sete mil professores a mais no sistema!