A propósito do artigo de hoje de José Carlos Abrantes sobre a responsabilidade dos media no nosso colectivo desânimo, e embora concordando com ele, na generalidade, convém não esquecer como, no meio do circo informativo em que já se transformou esta indescritível pré-campanha, conseguimos encontrar oásis de sanidade e de lucidez, que só não nos deixam uma réstea de esperança, porque não podemos ter ilusões no futuro da relação, crescentemente fatal, entre os media e a política.
Honra seja feita a inúmeros comentadores da nossa praça, pois a eles se devem, nesta fase da campanha eleitoral, o mais cru diagnóstico e a mais adequada terapêutica para os males que nos afligem. Efectivamente, as mostras de solidez de pensamento próprio, de qualidade, de rigor e de exigência na reflexão sobre o Estado, a Administração e as Finanças Públicas, a Saúde e a Educação, estão a ter origem, com maior acuidade e frequência, no grupo dos comentadores, jornalistas e opinion makers, mais do que no dos políticos, ou no das personalidades que, de alguma forma, influenciam a vida política nacional.
O fenómeno parece-me explicável, por variadas razões – a formação, elevada qualificação e especialização de alguns comentadores; o distanciamento que conseguem manter dos interesses que condicionam a acção política; a liberdade individual que esses comentadores têm face a alinhamentos editoriais; a falta de apetência por uma carreira política. No outro extremo, o dos políticos e personalidades “parapolíticas”, encontramos o oposto: a erosão e vulnerabilidade reflexiva a que, inevitavelmente, a actividade política conduz; o espartilho partidário dos compromissos que não se podem romper e das rupturas que não se podem fazer; a falta de investimento sério e descomprometido no estudo, no conhecimento e no saber.
Quem acompanha a comunicação social pode ser levado a pensar que temos, hoje em dia, mais e melhores comentadores políticos do que que políticos “de topo” no activo, o que, de certa forma, será o que introduz perversidade no “sistema”. Sem entrarmos no universo do comentário “cabalístico”, e não estando em causa as teias dos interesses das empresas de informação ao serviço dos partidos, há comentadores que, com os seus artigos de opinião, identificando erros e desfazendo acções governativas, desmontando deslizes e desmandos da oposição, sacudindo e pondo a nu interesses de grupos, empresas e consórcios, apontam caminhos certos para a reforma do Estado e para o saneamento do pântano em que a vida política portuguesa se tornou. Deverão, por isso, tornar-se políticos? E se sucumbissem a essa tentação, será que seriam bons políticos? A resposta deverá ser, provavelmente, negativa, mas o certo é que o serviço que prestam acaba por ser, não apenas estéril, como profundamente traumatizante para o comum cidadão – dão-nos a conhecer o veneno, informam-nos sobre qual é o antídoto, mas ficamos sem ter quem o aplique.
Talvez que a alguns reste, como diz Abrantes, «ver que a vida, individualmente considerada, baseada na nossa experiência pessoal, encerra algum progresso, alguma esperança e, mesmo... alguns motivos para sorrir». Parece-me pouco.
* Fernando Pessoa
Honra seja feita a inúmeros comentadores da nossa praça, pois a eles se devem, nesta fase da campanha eleitoral, o mais cru diagnóstico e a mais adequada terapêutica para os males que nos afligem. Efectivamente, as mostras de solidez de pensamento próprio, de qualidade, de rigor e de exigência na reflexão sobre o Estado, a Administração e as Finanças Públicas, a Saúde e a Educação, estão a ter origem, com maior acuidade e frequência, no grupo dos comentadores, jornalistas e opinion makers, mais do que no dos políticos, ou no das personalidades que, de alguma forma, influenciam a vida política nacional.
O fenómeno parece-me explicável, por variadas razões – a formação, elevada qualificação e especialização de alguns comentadores; o distanciamento que conseguem manter dos interesses que condicionam a acção política; a liberdade individual que esses comentadores têm face a alinhamentos editoriais; a falta de apetência por uma carreira política. No outro extremo, o dos políticos e personalidades “parapolíticas”, encontramos o oposto: a erosão e vulnerabilidade reflexiva a que, inevitavelmente, a actividade política conduz; o espartilho partidário dos compromissos que não se podem romper e das rupturas que não se podem fazer; a falta de investimento sério e descomprometido no estudo, no conhecimento e no saber.
Quem acompanha a comunicação social pode ser levado a pensar que temos, hoje em dia, mais e melhores comentadores políticos do que que políticos “de topo” no activo, o que, de certa forma, será o que introduz perversidade no “sistema”. Sem entrarmos no universo do comentário “cabalístico”, e não estando em causa as teias dos interesses das empresas de informação ao serviço dos partidos, há comentadores que, com os seus artigos de opinião, identificando erros e desfazendo acções governativas, desmontando deslizes e desmandos da oposição, sacudindo e pondo a nu interesses de grupos, empresas e consórcios, apontam caminhos certos para a reforma do Estado e para o saneamento do pântano em que a vida política portuguesa se tornou. Deverão, por isso, tornar-se políticos? E se sucumbissem a essa tentação, será que seriam bons políticos? A resposta deverá ser, provavelmente, negativa, mas o certo é que o serviço que prestam acaba por ser, não apenas estéril, como profundamente traumatizante para o comum cidadão – dão-nos a conhecer o veneno, informam-nos sobre qual é o antídoto, mas ficamos sem ter quem o aplique.
Talvez que a alguns reste, como diz Abrantes, «ver que a vida, individualmente considerada, baseada na nossa experiência pessoal, encerra algum progresso, alguma esperança e, mesmo... alguns motivos para sorrir». Parece-me pouco.
* Fernando Pessoa
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