Wednesday, December 28, 2005

Credibilidade

1 - Lida a entrevista de Cavaco Silva, na parte referente à que já se tornou uma polémica proposta de criação de uma secretaria de estado para tutelar as empresas estrangeiras em Portugal, ficamos com duas evidências: uma, a de que Cavaco partiu, efectivamente, de uma referência a exemplos do que se passa em alguns países, conforme expressamente referiu; outra, a de que fez, também explicitamente, uma proposta ao governo para a criação de uma tal estrutura. Indignaram-se as hostes oponentes, com o que consideraram uma prova da "perigosa intenção" dele para futura intromissão na esfera de competência do governo, caso venha a ser eleito. Acontece que Cavaco FEZ já a proposta, enquanto cidadão e enquanto candidato à presidência, no que pode ser considerado um acto de intervenção cívico/política. Quantos cidadãos portugueses não têm feito propostas ao governo, até em directo na televisão? Quantos candidatos à presidência não deixaram já cair junto da opinião pública autênticas propostas de acção governativa? Não pareceria, portanto, haver razão para tamanha histeria, não fora o caso de tal "atrevimento" vir ao encontro da estratégia de ataque dos oponentes de Cavaco. Neste sentido, o Professor foi imprudente na proposta, que poderia ter evitado, e deu munições aos adversários.
2 - A transparência das afirmações de Cavaco na entrevista, o facto de a proposta que efectuou ser mais do que natural num cidadão com o seu percurso cívico e político, mesmo no contexto de uma candidatura à presidência, e porque estavam já assumidamente feitas, não justificavam o desmentido que foi efectuado, pecando o mesmo por atabalhoado e incompreensível. Pior a emenda que o soneto, diria a minha avó.
3 - Apesar de se poder considerar que houve um erro estratégico na apresentação da proposta e outro, maior, no desmentido, os mesmos só assumiram a relevância que lhes está a ser dada por serem erros de Cavaco Silva. Quantas propostas directas ao governo, quantas acções governativas não têm sido apresentadas por outros candidatos? É coligi-las, que dão para encherem um pote. E quantas vezes os outros candidatos não vieram desdizer-se, com a mais pérfida candura política? Pelo menos um, Mário Soares, é exímio em contradizer-se vezes sem conta e considera essa sua gestão da verdade uma prova de capacidade política, em nada se envergonhando dela. E, no entanto, ninguém se exaltou, ninguém pediu conferências de imprensa, ninguém levou a sério, ou deu importância, a esses actos impensados e inconsequentes.
Se o erro de Cavaco Silva serviu para alguma coisa, foi para demonstrar que a sua credibilidade é tanta que a mais pequena falha assume proporções de acontecimento, que o que nos outros é desculpável, é déjà vu, nele é espanto e desilusão. São os seus oponentes, com a extremada reacção ao acontecimento, que lhe reconhecem, implicitamente, a poderosa força dessa credibilidade. Mas, num caso como este, a credibilidade tem um preço, para ele e para os seus oponentes, só que estes pagam-no menor do que ele, porque a falta de credibilidade deles saiu menos evidente do que a dimensão dos estragos na credibilidade de Cavaco.

2 comments:

Anonymous said...

Vai uma grande bandalheira na candidatura de Cavaco à conta do desmentido. Segundo ouvi contar já houve demissões e uma delas foi de um nosso comum 'amigo'. Cá se fazem, cá se pagam.

crack said...

Luís, está muito mauzinho. Segundo me parece saber, a "zanga" foi anterior à borrasca.E não foi bem uma zanga, foi mais um amuo...