Wednesday, June 01, 2005

«As crianças acham tudo em nada, os homens não acham nada em tudo»*

Não tenho particular simpatia pelos dias de qualquer coisa. Mas, já que estão instituídos, podemos fazer um esforço para lhes darmos um significado, que vá um pouco mais além do folclore a que o consumo e as esteriotipadas «celebrações» da sociedade nos querem circunscrever.
Hoje, dia em que se celebra a criança, folheiam-se os jornais portugueses, vêem-se os telejornais, e o que nos fica da comemoração deste dia a eles dedicado são as imagens de bandos de meninas e meninos a terem um dia escolar diferente, em alegres grupos que foram à praia, ao teatro, ao jardim zoológico ... Algumas reportagens falam de mães e pais carinhosos, que sairam mais cedo dos empregos e compraram um presente, ou que foram ao parque com as suas crianças, ou que, simplesmente, tiveram mais paciência com elas. Outras reportagens, para serem diferentes, ou porque são mais compassivos os seus autores, falam dos meninos tristes, sós e desamparados, doentes.
Cumpre-se, assim, a efeméride - os meninos felizes continuam a sê-lo, os infelizes também, os pais descansam as paternais consciências, os filhos cansam-se de brincadeiras e surpreendem-se com dose extra de paciência, vendem-se mais brinquedos, mais gelados, mais livros, animam-se circos e eventos vários, tudo como sempre.
Cumprido, uma vez mais, o ritual, amanhã volta tudo a ser igual.
Só que, num país com uma das mais elevadas taxas de maus-tratos a crianças, em que o assassínio brutal de meninas e meninos, frequentemente pelas suas próprias famílias, são uma dolorosa realidade; este ano, em que rostos de crianças inocentes, violentadas e assassinadas com requintes de malvadez, entraram diariamente pelas nossas casas e se gravaram, a fogo, na nossa retina; neste meu país, este ano, hoje, gostaria de ter visto notícias de iniciativas de grupos de cidadãos preocupados com o problema, como gostaria de ter lido sobre iniciativas do parlamento e dos responsáveis políticos a chegarem a acordo sobre a publicação imediata de leis destinadas a proteger, eficazmente, estes seres indefesos, que são responsabilidade de todos nós, de cada um de nós.
Sei que a crise é difícil, que o défice nosso, o não que fala francês, as guerras de muitos e o dinheiro de todos não deixam tempo e espaço para muito mais, mas eu gostava que, pelo menos hoje, se tivesse parado para tratar deste assunto de «pequena» importância. Ainda não foi desta. Quem sabe se para o ano...?
* Giacomo Leopardi

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