Monday, September 19, 2005

«É melhor que fale por nós a nossa vida, que as nossas palavras»*

Dulce Rocha, desde hoje ex-presidente da Comissão Nacional de Protecção das Crianças e Jovens em Risco, abandona as suas funções com críticas duras aos sucessivos governos, por falta de empenhamento sério destes nas questões dos jovens em risco. Tem a senhora toda a razão, e lembro que já aqui se referiu essa continuada demissão dos responsáveis políticos, que apenas reagem, mediaticamente e mal, no rescaldo de sevícias e morte violenta de crianças, infelizmente uma situação que se tem tornado habitual na sociedade portuguesa.
Acontece que, apesar de ter razão, as críticas de Dulce Rocha, no momento em que são proferidas, não deixam de parecer um acerto de contas, numa mal digerida saída do cargo, e uma justificação de “mau perdedor” sobre a obra que fica por fazer, tendo esta ex-responsável criado, com estas declarações, precedente para que se lhe possam pedir responsabilidades. Responsabilidades não pelo que deixa por fazer, mas por não ter publicamente denunciado, com a mesma veemência, transparência e zelo, as carências que agora reconhece terem sido uma constante nos serviços que tutelou durante dois anos. Sei como se espera de qualquer responsável, em situação idêntica, que tente convencer os governos a investirem mais e melhor no respectivo serviço, que procure encontrar melhores soluções com os meios de que dispõe, que faça por gerir o problema identificado na óptica do antes pouco do que nada, mas há áreas em que esta actuação, que alguns designam de institucionalmente solidária, outros de profissionalmente cautelar, mas a que eu prefiro, generosamente, apelidar de “low profile”, tem que ter um limite temporal restrito, sob pena de se porem em risco vidas humanas, como é este o caso.
Dulce Rocha não poderia ter demorado dois anos “a virar a mesa”, não poderia ter ficado pacificamente à espera de ser substituída para vir para os jornais denunciar, alto e bom som, a situação. Exigia-se-lhe que, em nome dos jovens em risco, que hoje tanto a preocupam, tivesse tido a coragem de vir para a comunicação social denunciar carências, exigir recursos, usar, não em favor da sua actuação como presidente da CNPCJ, mas dos reais interesses daqueles que servia, todo o poder de dar visibilidade a uma situação, que um responsável, sobretudo quando lhe assiste razão, consegue ter quando decide publicitar a ruptura com o governo que o tutela. Os conformistas do politicamente correcto estarão a torcer-se com o que escrevo, ao advogar aqui uma atitude institucionalmente pouco correcta; dirão até que, se não tinha a senhora as condições de que precisava, deveria apenas ter-se demitido, silenciosa e formalmente, para que as regras da solidariedade institucional não fossem beliscadas; serão esses os mesmos que hoje lêem esta notícia e passam à frente, tranquilizados porque amanhã é vida nova, há outro responsável, e tudo volta ao normal. Volta, é certo, até à próxima saída e à nova nomeação, se o recém empossado não perceber que, neste cargo, antes de tudo o mais, o que se lhe exige é ser GENTE. Não conhecendo o senhor, na dúvida, permito-me especular sobre quantas mais Joanas, mais Andreias e mais Tiagos serão necessários para que se inverta a situação.
* Mohandas Gandhi

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