Inspirado por este post, por sua vez uma simples chamada de atenção para um interessante post no Blogo Existo, o meu querido amigo Anthrax publicou no seu blogue o texto Why Johnny’s Teacher Can’t Teach – by Heather Mac Donald 1998 . Sendo indiscutível o interesse desse texto, está o Anthrax de parabéns por o ter recordado.
Apesar das naturais diferenças que nos separam da sociedade americana, o nosso impulso para a importação do que se faz lá fora permite-nos ler o texto e sentirmo-nos sentados na ponta do divã do psicanalista. Passam por lá os nossos anos de experiências começadas e nunca acabadas, as nossas pedagogias centradas na visão idealizada e romântica das criancinhas, o nosso medo das práticas pedagógicas orientadas para a aquisição de conhecimentos, a sobrevalorização que fazemos do papel do espaço aula no desenvolvimento das competências sociais/relacionais dos jovens em detrimento do seu papel como espaço de aprendizagem formal, o predomínio do ensinar a aprender sobre o ensinar conteúdos e transmitir conhecimentos, que é a nossa grande coroa de glória no mundo do "eduquês".
Nem vale a pena continuar a avançar o historial das nossas péssimas práticas, que as alimentamos ao seio e delas não queremos abrir mão. Somos maus alunos, o que se há-de fazer?! Parece-me que é já tempo de olhar para os resultados de todas estas experiências falhadas e sermos capazes de perceber o que faz falta, deixando-nos de panos quentes e caldos de galinha, que nos levaram ao triste estado em que temos hoje a educação. E, não descurando os bons exemplos que nos possam chegar de fora, termos a coragem de separar o trigo do joio e adoptarmos apenas o que é adequado a nós.
Há que parar e pensar nas escolas que temos e no que podemos fazer com elas, realisticamente; há que perceber que tipo de formação precisamos de dar aos portugueses para pôr este país a funcionar e investir corajosamente nela, sem falsos novo-riquismos e sem demagogia; há que explicar aos paizinhos que os filhinhos precisam de saber, que a escola não existe apenas para suprir a negligência das famílias e substituir-se a estas, que os bons resultados escolares se obtém com muito esforço e não se "compram", como um passe para uma qualquer universidade, que conferirá aos seus rebentos o ansiado título de Dr.; há que ser capaz de dignificar uma classe docente castigada, vilependiada, mal formada e mal informada, a quem se exige tudo, a quem se culpa de tudo, mas tudo o que dela se espera não é o rigor pedagógico e a qualidade técnica, antes o facilitismo, o "porreirismo", a permanente disponibilidade para fazer das escolas espaços de aprendizagens transversais, onde se descarregam os filhos para que eles lhes dêem aquilo que as famílias se negam a fazer.
Não se pense que defendo aqui a escola que apenas limite a sua função a ensinar conteúdos, ou o professor "debitador" de conhecimentos. Longe disso, até que os tempos aconselham a repensar a escola em moldes completamente novos. O que defendo é que não se caia no exagero e no disparate a que se chegou, que não se peque por 8 ou por 80. Bom senso, honestidade, genuíno interesse pelo país, descomprometimento, seriam requisitos bastantes para que qualquer governo resolvesse a questão da educação em Portugal, desde que possuisse, em elevado grau, o principal - coragem. Não seria fácil, mas fazia-se. Assim, andamos apenas a enganarmo-nos a nós próprios.
9 comments:
Sempre pensei (desde há muitos anos) que um dos problemas da educação/ensino é o modo como se adere (incluindo como aderem os professores)ao que vai aparecendo como "novas perspectivas", "inovação" etc., isto é, o pecar por 8 ou por 80, como dizes. Por isso, eu resumiria os requisitos que apontas no final a BOM SENSO, acrescentando, claro, no que toca aos governantes, vontade política ou "em elevado grau, o principal - coragem".
Grande Crack! :))
Parabéns pelo seu post. Está brilhante.
Esta entrada invoca:
Uma visão estratégica dos responsáveis pelas políticas educativas.
A capacidade reflexiva do professor.
Qualidades do profissional de ensino que reflecte as teorias sobre o currículo, sobre o ensino, sobre os alunos, sobre as comunidades educativas, sobre as questões profissionais e sobre as relações humanas e institucionais.
Obrigado por lançar os dados...
1 - Foram apagados 3 comentários de spam, por nada terem a ver com este post
2 - Cara IC, como bem diz, é o modo como se adere; que, pelo menos a nível da administração educativa, se pense sobre isso, com racionalidade e sem demagogia.
3 - Amigo Anthrax, se há algum mérito, ele pertence-lhe, em parte de leão. :)
4 - Caro Miguel Pinto, dos pontos com que sintetiza, brilhantemente, a pequena reflexão deste post, tenho a certeza que um debate, conduzido por si, sobre o que poderiam ser bons exemplos de uma «visão estratégica dos responsáveis pelas políticas educativas» nos deixaria a todos mais ricos. É um desafio que lhe deixo e vou passando pelo seu blog na esperança de que o aceite. :)
devo-lhe dizer que não concordo que a classe docente seja mal formada...claro está que tem as suas carencias...mas daí a ser mal formada vai uma grande distância....sei que muitas das croiticas que fazemos de "dentro para dentro", fazemos, porque exigimos cada vez mais de nós a nós próprios...se calhar temos começar para assumir, que há muitos de nós a fazerem demais.
Caro Miguel Sousa
A discordância é o melhor caminho para o debate de ideias, e este é que é importante, mais do que a "razão" a que cada um se vincula.
Quando refiro mal formada, referiro-me, essencialmente, a formação contínua. Todos sabemos o que esta tem sido, admitindo eu que mais por culpa do "sistema" do que dos próprios docentes. Mas se falarmos de formação inicial, também há algo a dizer, porque não podemos ignorar o irrealismo de muita da formação inicial de professores que tem vindo a ser proporcionada pelas diferentes instituições de formação.
Quanto aos professores exorbitarem, concordo, penso, aliás, que esse tem sido um dos grandes males do "sistema", mas não acontecerá isso, exactamente, porque existem lacunas e desvirtuamentos na formação? Já quanto ao debate interno à classe docente, pergunto: até que ponto os docentes não têm sido responsáveis pela projecção de uma imagem que se coaduna mais com a expectativa do "sacerdócio" do que com a competência profissional e exigência dos respectivos direitos ?
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