Friday, April 07, 2006

A expedição angolana de Sócrates (VII)

Da visita de Sócrates a Angola retemos as evidências da realpolitik – a mal disfarçada “gula” portuguesa pelo boom da economia angolana; os dividendos propagandísticos que o governo, e sobretudo o primeiro-ministro, quiseram retirar deste determinado avanço para a antiga colónia portuguesa; o silêncio português sobre a dura realidade do quotidiano angolano: a pobreza extrema de grande parte da população, o desrespeito pelos direitos humanos, a violência, a corrupção e o caos na saúde pública.
Quanto às perspectivas de negócios, pois estes darão os resultados que a iniciativa dos empresários portugueses e o apoio e vontade dos dois governos propiciarem, mas, pelo que fica no papel e nas palavras, e porque os interesses dos dois Estados vão nessa direcção, parece aberto um promissor futuro para os investimentos portugueses em Angola. Um sucesso, portanto, a averbar a Sócrates, apesar deste, em relação a Guterres e Durão, apenas ter tido a sorte de estar no sítio certo, no momento certo.
Contudo, e para que o sucesso de Sócrates possa medir-se por padrões que transcendem os caprichos da D. Fortuna, será necessário investir, “portuguesmente”, noutras áreas do desenvolvimento: a educação/formação/qualificação, a língua comum, a cultura partilhada, a saúde. Pelo que se leu, ficaram desta visita as sementes: os protocolos com a Gulbenkian para a saúde, os duzentos professores portugueses que irão para Angola, o investimento na investigação e na cultura, os acordos para um trabalho conjunto entre as duas televisões estatais. Se serão, ou não, sementes para germinar, logo se verá. Mas, se não queremos repetir, grosseiramente, erros do passado, é bom que se acautele que estas sementes dêem fruto, porque é aqui que se joga o sucesso do nosso regresso a Angola. E isso é que não sabemos se Sócrates vai querer fazer.

4 comments:

Anonymous said...

Já leu o Ricardo Costa? Ele diz que Angola é o único sítio onde as empresas portuguesas ainda podem aspirar expandir-se. Isto responde à sua dúvida sobre o que vai querer Sócrates.

Rui Martins said...

"boom" da economia angolana? não é isso que se vê nas ruas de luanda, nem no crescente número de exilados rurais que invade a capital de um dos países mais corruptos e ingovernados do mundo...

se existe "boom" é para a família eduardo dos santos, mais para uns quantos tubarões q nadam em águas de petróleo.

crack said...

Caro Luís, só li o Ricardo Costa depois, não discordo dele, mas não sei se isso chega para nos elucidar quanto às intenções de Sócrates. O tempo, e as oportunidades, ditarão o jogo.

crack said...

Caro Rui Martins, convém não esquecer que estamos a falar de África, de um país que só agora começa a sair da guerra, com um tecido social, político e económico fragilíssimo, em que, pior do que estar tudo no início, está tudo a reconstruir-se sobre cinzas ainda fumegantes. A situação que refere é a consequência "natural" de tudo isto. Não será em meia dúzia de anos que se recomporá o que está mal. Serão os pequenos passos para a democracia plena, seguros, que farão a diferença, numa vintena, ou mais, de anos. Isto se nada acontecer que contrarie esse processo de normalização democrática e de desenvolvimento. É para garantir que esse processo decorrerá sem hesitações e recuos que é tão importante o investimento de democracias estrangeiras, nomeadamente a portuguesa. Em parceria e pé de igualdade. Veremos como (se?) será possível.