Wednesday, July 13, 2005

Contas feitas

Os (maus) resultados nos exames de matemática estão a ser um autêntico «o rei vai nu». Como é habitual nestas ocasiões, todos ralham e, aparentemente, todos têm razão.
Não podendo atribuir-se a uma epidemia nacional esta generalizada incapacidade para a aprendizagem da matemática, mesmo tendo em conta o efeito social da tradicionalmente publicitada dificuldade da disciplina, que desmobiliza à partida alunos e famílias, «os culpados» devem procurar-se naqueles que têm a responsabilidade de pôr o sistema a funcionar, nos padrões de qualidade exigíveis, avaliando os resultados e reformulando as práticas em função destes - isto é, as equipas governamentais da educação e toda a estrutura da administração educativa (na qual se incluem as escolas), delas dependentes.
O contínuo experiencialismo, políticas educativas irrealistas, o abandono de pedagogias de exigência e rigor, uma formação inicial de professores assimétrica e contaminada por interesses corporativos, o desmantelamento de iniciativas sérias de formação contínua de docentes e de avaliação destes, serão algumas das causas do estado da arte.
O ME já veio dizer que vai regulamentar a componente não lectiva, para que os alunos possam ter mais horas de ensino da matemática. Fica-se sem perceber se serão apenas os professores de matemática a serem abrangidos por tal medida, que, a ser assim, apareceria como profundamente injusta. É, pois, lamentável que se pense em regulamentar a componente não lectiva dos docentes (uma medida urgente) apenas com tal pressuposto, mesmo que o resultado que se pretende seja de saudar. Não pode é ser uma medida isolada, porque para quebrar o ciclo do insucesso a matemática impõe-se uma intervenção sistémica, se bem que muito centrada nos professores e na sua formação e avaliação contínuas.
Pode ser que o «abanão» tenha servido para mais do que uma intervenção cosmética, mas as reacções de professores, sindicatos e organizações representativas não auguram nada de bom. E já percebemos que o actual ME não tem sido muito firme nas decisões que anuncia.
Adenda: Vale a pena ver como este assunto está a ser tratado pelo Miguel Pinto, pela Isabel, pelo Jorge , pelo Miguel Sousa e por David Justino

11 comments:

Anthrax said...

Por acaso tinha este tema na calha para falar dele. Principalmente depois de ter visto (e ouvido ontem), na RTPN a intervenção da senhora da FNE e do senhor da CONFAP (não me lembro dos nomes deles).

A primeira dizia que tinha de ser dada mais formação aos professores. Neste caso, ela referia-se à questão da formação contínua como se esta fosse inexistente, o que - na cabeça dela - até pode ser seja, mas que a julgar pelas 420 candidaturas que aqui recebemos (e das quais nenhuma inclui a frequência de cursos sobre o ensino da matemática), e a julgar pela enorme quantidade de centros de formação contínua para professores que existem neste país (já para não falar na enorme quantidade de formadores de professores que existem), parece-me que a senhora atirou um bocadito ao lado.

Por outro lado, o senhor da CONFAP, bem ou mal, lá foi dizendo umas coisas que me pareceram mais acertadas. Também falou na questão da formação, mas neste caso com o pendor para a questão da formação inicial de professores (e como era inconcebível que um candidato a uma ESE não tenha como disciplina obrigatória a matemática, por exemplo), e falou na questão da avaliação. Em particular, na questão de quem é que avalia a estrutura e conteúdos dos exames antes destes serem dados aos alunos. Tal como ele dizia (e não deixava de ter alguma razão), se é muito fácl é porque se calhar não estão a exigir o suficiente, se é muito dificil é porque estão a pedir coisas para além do que estava no programa (se bem que no caso da matemática, mesmo o fácil parece-me que ía ser muito dificil).

Muito honestamente, creio que aqui todos atiram um bocado (grande) ao lado. Se por um lado se queixam de não há políticas de fundo - o que até é verdade e não é só na questão da Educação - por outro, com tantos centros de formação e com tantos formadores de professores, o que é que andam a fazer para além de gastar dinheiro ao erário público? É que dizer que não há políticas de fundo, não é razão suficiente para que estes centros e estas pessoas não mostrem trabalho. E esta história dos 71% de negativas a matemática, não é um problema só dos professores de matemática, é um problema de todos os profissionais da classe porque aquilo que a matemática dá, é a capacidade do racíocinio lógico, que vai muito mais além do 1+1=2 e sem essa capacidade, não são só os professores de matemática que têm um problema.

crack said...

Meu caríssimo Anthrax
Os seus comentários são sempre uma mais-valia para este blog.
Antes do mais, tudo o que possamos dizer, ou pensar, terá hoje que ser revisto à luz desta magnífica descoberta do Instituto da Inteligência: É a genética, estúpido.
Ainda a adaptar-me ao novo contexto de referência, pois sempre lhe digo que tem muita razão quando diz que este é um problema de todos os profissionais da educação, e não apenas dos professores de matemática. Agora, que estes têm de rever o seu papel de formadores e as suas certezas inabaláveis, isso têm. Ser modesto, no que ao saber respeita, é a maior prova de inteligência. Apesar da genética!
:))

Anthrax said...

Ainda não consegui perceber essa história do 'Instituto da Inteligência' e da 'genética'... Acho que o meu hamster parou de pedalar algures e de repente fiquei aqui perdido.

E eu não quero parecer abusivo, mas aqui há uns anitos atrás, as criaturas que se dedicaram a esse tipo de estudos e que se puseram a teorizar sobre esse assunto, acabaram com 6 milhões de mortos judeus nas mãos.

crack said...

Anthrax, BANG! PUM!
(e isto esquecendo, injustamente, os milhões de ciganos e outras linhagens)

Anthrax said...

Crackinhooooooo!!! UUUuuuuu!!

O meu hamster regressou à rodinha e já lá está a correr. Se fosse a si dava um pulinho ao meu blog :))

«« said...

Obrigado pela referência que fez ao meu blogue. Hoje ouvi a Ministra dizer que vai arranjar forma dos professores passarem mais tempo na escola. Como entrei hoje na minha escola ás 8 da manhã e sai às nove da noite, já estou epnsando comprar uma tenda. Acha que o iglo é a melhor? Um abraço

crack said...

Caro Miguel Sousa
Ao que se diz por aí, esse aumento do número de horas nas escolas é só para alguns «privilegiados», porque muitas escolas não têm espaço físico disponível que permita as tais actividades a que os professores deverão dedicar-se.
É um facto, como também é certo que as escolas em ruptura são, genericamente, aquelas em que mais necessário se torna investir em projectos de acompanhamento dos alunos, fora do contexto da sala de aula. Significa isto, no limite, que, uma vez mais, se vão beneficiar as escolas e os alunos que menos precisam, acentuando as assimetrias já existentes. Obviamente que esta análise é a traço muito grosso, mas não deixa de ter suporte na realidade.É preciso mudar, e muito, mas, para isso, não bastam medidas avulso e só para calar a boca à opinião pública. Há que mexer no sistema, com coragem e determinação. As condições podem sempre ser criadas, basta actuar sobre o desperdício que há na educação em recursos humanos, materiais e financeiros. Só que, para isso, é preciso partir os interesses corporativos instalados. Quem é que se mete nessa guerra? Entretanto, vão-se fazendo umas operações de cosmética, que servem para manter as aparências.

Anthrax said...

"Há que mexer no sistema, com coragem e determinação."

Não desfazendo na afirmação - diga-se já - com a qual concordo até às últimas consequências, pergunto:

Quantas campas há nesse cemitério? Quantos foram aqueles que tentaram e agora têm uma plaquinha a dizer "RIP" - Paz à sua alma - por cima de suas cabeças.

crack said...

Touché, meu caro Anthrax.
Este bicharoco recolhe-se ao sarcófago, antes mesmo de anoitecer!

«« said...

Já repararam que alei diz que um professor tutor deve ter entre dez a 30 alunos....mas que raio de papel esperam que tenha o professor tutor...agora entendo porque querem acabar com o director de turma, talvez o substituam pelo professor tutor...e fica tudo na mesma. Hoje se tiver pachorra vou acabar e publicar um artigo sobre esta farsa

Anthrax said...

Caro Miguel Sousa

Em primeiro lugar, agradeço-lhe por ter colocado o seu comentário no meu Blog (a propósito dos "Paternalismos"), inicialmente, o que ía escrever era no mesmo sentido das suas palavra. Depois descambou tudo, não sei lá muito bem porquê.

Em segundo lugar, há uma coisa que ainda não consegui compreender. Que figura é essa do professor tutor? Talvez a pergunta seja imbecil, mas não pertenço à vossa classe e sou um pequeno fungo de características técnicas, que tem um entendimento muito objectivo do que são as profissões.

Por exemplo; quando no meu primeiro comentário a este texto falei nos formadores de professores, sei que são pessoas que acumulam outras funções para além da docência tradicional (como um orientador de estágio ou como um presidente do conselho executivo, etc). Por esta lógica, penso que a figura do "professor tutor" andará a navegar, algures, nesta bruma mística também. Se assim é - e jamais colocarei em causa a formação inícial de cada um - a "vossa" organização é tão má quanto a do "tasco" em que trabalho. Não porque entenda que as pessoas não possam acumular funções, mas porque aquela velha história de todos terem de fazer um pouco de tudo acaba sempre no "nunca-ninguém-faz-nada" e na maior parte das vezes não é por incompetência das pessoas, mas sim pela forma incompetente de como são geridas as suas diversas competências.

Daí a pergunta. O que é que é, em concreto, um professor tutor? Até porque, na acepção dos regimes de tutoria, 10 alunos/estudantes/aprendentes, já são uma multidão e mais do que isso é uma espécie de suícidio intelectual colectivo. Ou seja, não funciona e nem sequer é suposto funcionar. Enfim... se calhar as coisas são suposto ser assim mesmo, sei lá eu.