Monday, July 25, 2005

«As melhores estratégias são escritas no pretérito»*

Mário Soares será o candidato da esquerda à presidência. Ele estava mais do que apetente, o PS encontrava-se no mato sem cachorro e as «restantes esquerdas» agradecem esta descida à terra de tão carismática e salvadora figura dos desvios ideológicos deste PS, que para elas não deixa de estar amancebado com a direita, em affaire clandestino e envergonhado.
Obviamente, esta opção pelo octagenário Soares é patética, mas não pateta, e as possibilidades de ele ganhar são indiscutíveis, seja quem for o candidato forte à sua direita, na minha opinião, mesmo se este for Cavaco Silva. Sabe-se que Cavaco não faz o pleno «das direitas», que não rouba significativamente nas esquerdas moderadas, pelo que o mais a que pode aspirar é obrigar Soares a uma 2ª volta. Em causa, não estarão nem o estilo, nem as virtualidades de qualquer dos candidatos, ou a mais-valia que cada um pode representar para a estabilidade política, ou para a manutenção, ou alteração, de regime. Tem simplesmente a ver com o maior grau de simpatia que cada um deles pode inspirar, que inspira, efectivamente. E esta simpatia estrutura-se muito menos em torno do valor intrínseco de cada um dos candidatos, o conhecimento, a capacidade técnica, a estatura moral e ética destes, mas sobre algo cuja natureza radica muito mais no afectivo do que no racional, e que tão bem se resumiu no celebérrimo Soares é fixe. Isso mesmo, nós portugueses, que somos avessos à exigência e ao rigor, que preferimos o deixar andar que logo se verá, que acreditamos que o tempo, a virgem, a Europa, ou quem quer que seja, acabará por nos resolver os problemas, que abdicamos do controlo porque filosofamos que «ao menino e ao borracho Deus põe a mão por baixo», nós queremos mesmo é um presidente que mande no governo, mas não para o manter na senda das dificuldades anunciadas, antes para, por qualquer passe de mágica, o fazer retornar aos velhos esquemas e facilitismos, em que todos somos inconsequentemente ricos e despreocupados. E Soares é fixe.
Cavaco não ganhará a Soares, por mais que os analistas políticos avancem n argumentos lógicos e cheios de razão, para que tal probabilidade se anteveja forte. Soares candidato, será Soares presidente, custe a quem custar, e vai custar-nos a nós, se bem que talvez menos do que se imagina, que o homem acusa o peso da idade, é certo, mas é uma velha meretriz da cena política, «rodada» em milhares de volteios e golpes de rins, dos quais sai sempre em primoroso passo de valsa, qual debutante em baile da corte. E como o PS não o segura, Sócrates muito menos, a conjuntura encarregar-se-à de impor ao velho leão a «coerência» necessária, pelo que os estragos têm bastantes probabilidades de serem amortecidos e minimizados. Empata-se, adia-se, mas nada faz hoje prever que dependerá da escolha presidencial obviar essa ameaça (inevitabilidade?). A substituição do Ministro das Finanças indicia-o mais.
É por tudo isto que discordo, totalmente, de JPP e que lamentarei que Cavaco Silva se candidate, ele que pode esperar, calmamente, que Soares faça a sua «volta de consagração», assim dando tempo à inversão de ciclo político, que não deixará de fazer-se, e com Soares presidente talvez até mais cedo do que se prevê possível. Penso, recordando a influência do seu «monstro» na cena política recente, que Cavaco pode ser mais mortífero fora de Belém, principalmente se recusar uma candidatura da qual sairá perdedor.
Marcelo, velha raposa, ao lançar Cavaco como «imprescindível» opositor de Soares está a fazer o seu próprio jogo e a gerir o seu próprio tempo. Alguns cavaquistas de boa e genuína cepa, que se apressaram a empurrar o seu ídolo para a arena, sofrem de alguma ingenuidade política, sempre sofreram. Outros, não tão ingénuos, jogam em tabuleiro duplo e atiram o barro à parede; seja qual for o resultado, cairão sempre de pé. Cavaco não.
Este é um daqueles casos em que adoraria poder dizer que me enganei.

* Alphonse Allais


2 comments:

Nelson Reprezas said...

Receio bem que esteja com carradas de razão... Logo se verá!

crack said...

espumante
pois é, neste caso é pagar (caro) para ver (perder)