Monday, May 23, 2005

A educação sexual nas escolas

Sobre este tema, nos últimos dias tem-se escrito muito, em alguns casos muito bem, noutros, com uma ligeireza que me arrepia.
Mas o apaixonado debate anda a efectuar-se através dos media e na blogosfera, pelo que se torna inútil acrescentar/repetir o argumentário clínico/político/ideológico/sociológico, uma vez que ambos os «lados» ficaram há muito surdos a tudo o que não seja o reforço das posições que defendem.
Antes que a suspeição se instale em qualquer um que me leia, milite num ou noutro «lado», convém esclarecer que não sou contra a abordagem de conteúdos de educação sexual na escola, antes pelo contrário. Assim sendo, preocupa-me, essencialmente, o como, o quando, o por quem esses conteúdos poderão/deverão ser abordados em universo escolar, e, sobretudo, as condições em que deverá ser, permanentemente, acompanhada e avaliada a acção da escola nesse particular domínio, uma vez que tenho por assumido que a definição desses conteúdos terá, obrigatoriamente, que ter sido efectuada em sede própria e momento prévio à sua adopção pelas escolas, para os diferentes níveis de ensino.
Será porque penso assim, que acuso de negligência muitas das equipas governativas da educação, que desmantelaram o pouco que existia no terreno em termos de educação para a saúde, que não tiveram coragem de decidir o que pretendiam fazer quanto à educação sexual, enredando-se em compromissos vários e inexplicáveis, que encomendaram conteúdos, sem que sobre os mesmos tivessem definido princípios orientadores e linhas programáticas, finalmente, porque atiraram para a esfera de competência das escolas, sem a adequada preparação e o necessário enquadramento destas, a responsabilidade pela condução da educação sexual dos alunos.
Se passarmos em revista a formação contínua de docentes, fácil é constatar que a formação específica e especializada para a leccionação de conteúdos de educação sexual não será digna de registo estatístico, ou outro. A formação em administração e gestão escolar também não aborda a questão na dimensão requerida, ao que me consta. Formação de funcionários não existe. Temos, portanto, um universo escolar impreparado para corresponder à responsabilidade que o ME lhe atira para os ombros. Some-se a isto a tradicional dificuldade das escolas em obter a cooperação dos representantes dos pais e famílias para estas matérias e em articular com eles uma acção concertada para a educação sexual dos seus filhos e educandos, e percebe-se como o problema tem sido deixado à iniciativa e capacidade individuais de professores e comunidades escolares, mais «sensíveis» para actividades, que quase podemos classificar de boa vontade e experiencialismo.
Ora, não é qualquer um, só porque é adulto e professor, que está devidamente preparado para poder abordar com alunos, da faixa etária que lecciona, conteúdos de educação sexual. Para além da imprescindível formação específica, à-vontade, idoneidade, responsabilidade, humanismo e sensibilidade são requeridos, em dose elevada.
Acontece que não sei se será uma evidência, para a generalidade dos pais e para a população em geral, que a escola é hoje um lugar de elevado risco de abuso sexual, risco potencial que, infelizmente, se concretiza em número crescente de casos, todos os anos, no que parece ser uma tendência constante, quanto ao crescimento do número de ocorrências e quanto ao agravamento das ofensas. E não é por acaso que digo PARECE; faço-o porque não conheço qualquer levantamento de dados que permita saber, a nível do país, quantas e quais as ocorrências, e a casuística das mesmas. Isto é, não creio que o ME possa apresentar, se lhe fosse agora pedido, qualquer relatório sobre as ofensas de carácter sexual infligidas a alunos, em espaço escolar e imediatamente circundante, por outros alunos, por professores e educadores, por funcionários, por intrusos ocasionais. Mas que essas situações existem, sabem-no bem as vítimas, as famílias, as escolas e as comunidades locais.
Inserida num ambiente social mais vasto, em que os níveis de infracção criminosa contra a criança e o jovem são preocupantes, a escola tem-se ressentido e acompanha a tendência. Poder-se-á pensar que a melhor forma de combater estas situações é com mais educação sexual, desde os mais precoces anos. Concordo, ou melhor, concordaria, se a introdução desta disciplina nas escolas tivesse sido precedida de estudos adequados, definidos os conteúdos após amplo e consensual debate na sociedade portuguesa, envolvidos os pais no processo, formados os professores e as escolas, garantidos o acompanhamento, por equipas especializadas, e a avaliação sistemática, pelos serviços responsáveis. Assim, como se pretende fazer, potenciam-se os riscos, já de si elevados, de propiciar a permissividade entre alunos e destes com os seus professores e funcionários das escolas, o que poderá estimular e facilitar os abusos sexuais, em vez de diminuir a sua ocorrência.
Alguns blogs têm-se referido, amplamente, quer às imagens e referências contidas nas orientações para os professores, quer à prevalência da secura da explicação «científica» da sexualidade, em detrimento do enfoque na dimensão da afectividade e do amor na actividade sexual, que entendem não dever esquecer na formação dos jovens. É verdadeiramente importante que se faça esse debate, mas só espero que, esgotada a paixão do mesmo, não fique tudo como está – ao Deus dará. Porque acordámos agora para o problema, porque o que está feito é pouco e mau, não significa que se deva desistir de introduzir a educação sexual nas escolas. É bom é que se comece do princípio, fazendo bem, com passos certos e seguros, sem cedências nem oportunismos. Em tão importante questão, não podemos deixar correr e, dentro de uns anos, vir acusar as escolas de inoperância e incapacidade. Porque, se assim fizermos, para alguns o preço será demasiado alto.

2 comments:

Miguel Pinto said...

Conhece este projecto? http://www.dct.uminho.pt:16080/jsea/web-contrntpor/index.html
Passe por lá ;)

crack said...

Agradeço a sugestão do link. Não conhecia este projecto, apesar de ter acabado de passar uns dias na UM e ter procurado informar-me sobre alguns dos excelentes projectos que desenvolve.
Pelo pouco que já vi do site, parece-me encontrar no projecto uma linha de intervenção próxima da que defendo, resultando claramente assumido pelos promotores que ele procura preencher o vazio numa área negligenciada pelas entidades oficiais.
Vou aprofundar a informação disponível e responder-lhe-ei por email.
Cumprimentos.