Os inícios de ano são fatais para os revivalismos, sobretudo quando estamos naquela fase doce da vida, em que se torna mais fácil recordar o que passou há anos do que o que comemos ao jantar.
A minha filha ofereceu-me um mp3 no Natal e, com esse gesto de ternura, deu-me muito mais do que a oportunidade de amenizar as tarefas fastidiosas do quotidiano. Foi sem querer, mas ao seleccionar algumas das minhas melodias preferidas para carregar o “bichinho”, fiz a passagem para alguns momentos muito interessantes da minha vida, e, agora, ao ouvi-las no conforto e na intimidade dos auscultadores, vou recapitulando episódios, lugares, pessoas, cheiros, sentimentos, apontamentos de vida que regressam, no intervalo das leis e dos decretos, das estatísticas e dos indicadores, dos telefonemas e da correria de uma agenda implacável… E que interessante se torna podermos sorrir, sem com isso nos comprometermos com a curiosidade de terceiros, da piada muito privada para que nos transporta um swing do old blue eyes, ou da irreverência (que já perdemos!) que o som dos rapazes de Liverpool nos recorda termos praticado ( e quase nos faz desejar ser capaz de reencontrar)!
Hoje dei comigo a ouvir Percy Sledge no seu incrível When a Man Loves a Woman, há muito arredado do top das preferências pessoais. Com este tema, para além de saborosas (e muito privadas) recordações sentimentais, relembrei uma experiência única na minha vida, irrepetível, decerto. Conheci o cantor em Luanda, estava ele no auge da sua carreira, e aquele tema musical alimentava a paixão dos jovens nas areias quentes do Mussulo, nas pistas de dança da Barracuda e nos salões escurecidos das vivendas do Bairro de Alvalade. Percy Sledge, alojado no mesmo hotel em que eu estava em lua-de-mel prolongada, engraçou com o casalinho apaixonado, com quem podia falar horas a fio sobre a poeira daqueles dias, beberricando café no jardim interior e aprendendo, em testemunho directo, o que era nascer, crescer e viver naquelas terras africanas, branquinhos de leite por fora, mas profundamente imbuídos do ser e do estar africanos. Demos-lhe algumas horas de amena cavaqueira, e ele proporcionou-nos o entusiasmo do tu cá tu lá com uma celebridade, além de uma experiência inesquecível, ao integrar-nos como convidados na sua comitiva, quando se deslocou para o local de um dos concertos. Na ocasião, o veículo em que seguíamos, um Jeep grande e fechado, foi literalmente assaltado e amassado pelos fãs, às centenas, que rodearam e pararam o carro, subiram para o tejadilho, e se esborracharam contra os vidros, como só tínhamos visto nos cartoons da Disney. Quando já esperávamos que o Jeep se desfizesse com tantos encontrões, só com a intervenção de polícia e militares é que conseguimos sair do carro e caminhar por entre um cordão de segurança para o edifício. Percy esteve sempre impávido e gratificado com as histéricas manifestações, até para ele algo inesperadas, em tão remotas paragens. Nós dois, gloriosos desconhecidos apaixonados, só não distribuimos autógrafos à passagem por entre livrinhos estendidos para nós, porque o descaramento não fazia parte do nosso equipamento de série, mas há-de haver por aí algures uma respeitável senhora de meia idade que guardará, como grata lembrança do cantor, o botãozinho dourado, quase igual ao do fato de cabedal que o Percy vestia, mas que pertencia, apenas, à lapela do meu casaco!
A minha filha ofereceu-me um mp3 no Natal e, com esse gesto de ternura, deu-me muito mais do que a oportunidade de amenizar as tarefas fastidiosas do quotidiano. Foi sem querer, mas ao seleccionar algumas das minhas melodias preferidas para carregar o “bichinho”, fiz a passagem para alguns momentos muito interessantes da minha vida, e, agora, ao ouvi-las no conforto e na intimidade dos auscultadores, vou recapitulando episódios, lugares, pessoas, cheiros, sentimentos, apontamentos de vida que regressam, no intervalo das leis e dos decretos, das estatísticas e dos indicadores, dos telefonemas e da correria de uma agenda implacável… E que interessante se torna podermos sorrir, sem com isso nos comprometermos com a curiosidade de terceiros, da piada muito privada para que nos transporta um swing do old blue eyes, ou da irreverência (que já perdemos!) que o som dos rapazes de Liverpool nos recorda termos praticado ( e quase nos faz desejar ser capaz de reencontrar)!
Hoje dei comigo a ouvir Percy Sledge no seu incrível When a Man Loves a Woman, há muito arredado do top das preferências pessoais. Com este tema, para além de saborosas (e muito privadas) recordações sentimentais, relembrei uma experiência única na minha vida, irrepetível, decerto. Conheci o cantor em Luanda, estava ele no auge da sua carreira, e aquele tema musical alimentava a paixão dos jovens nas areias quentes do Mussulo, nas pistas de dança da Barracuda e nos salões escurecidos das vivendas do Bairro de Alvalade. Percy Sledge, alojado no mesmo hotel em que eu estava em lua-de-mel prolongada, engraçou com o casalinho apaixonado, com quem podia falar horas a fio sobre a poeira daqueles dias, beberricando café no jardim interior e aprendendo, em testemunho directo, o que era nascer, crescer e viver naquelas terras africanas, branquinhos de leite por fora, mas profundamente imbuídos do ser e do estar africanos. Demos-lhe algumas horas de amena cavaqueira, e ele proporcionou-nos o entusiasmo do tu cá tu lá com uma celebridade, além de uma experiência inesquecível, ao integrar-nos como convidados na sua comitiva, quando se deslocou para o local de um dos concertos. Na ocasião, o veículo em que seguíamos, um Jeep grande e fechado, foi literalmente assaltado e amassado pelos fãs, às centenas, que rodearam e pararam o carro, subiram para o tejadilho, e se esborracharam contra os vidros, como só tínhamos visto nos cartoons da Disney. Quando já esperávamos que o Jeep se desfizesse com tantos encontrões, só com a intervenção de polícia e militares é que conseguimos sair do carro e caminhar por entre um cordão de segurança para o edifício. Percy esteve sempre impávido e gratificado com as histéricas manifestações, até para ele algo inesperadas, em tão remotas paragens. Nós dois, gloriosos desconhecidos apaixonados, só não distribuimos autógrafos à passagem por entre livrinhos estendidos para nós, porque o descaramento não fazia parte do nosso equipamento de série, mas há-de haver por aí algures uma respeitável senhora de meia idade que guardará, como grata lembrança do cantor, o botãozinho dourado, quase igual ao do fato de cabedal que o Percy vestia, mas que pertencia, apenas, à lapela do meu casaco!
Como diz o poeta, a vida é feita de nadas, esses pequenos grandes retalhos em que cada um encontra os seus momentos de felicidade, seja no fugaz instante em que topa com um velho botão dourado no fundo de uma caixa velha, seja a reviver as circunstâncias em que o mesmo se perdeu.
* do poema de Miguel Torga
No comments:
Post a Comment