Wednesday, September 12, 2007

Abertura do ano lectivo

Começou hoje, com pompa e circunstância (leia-se ministros e computadores), mais um ano lectivo. Se não importa saber se começou para muitos, ou poucos alunos, porque até segunda-feira todos os estabelecimentos de ensino terão que ter começado as aulas, já não deixa de ter interesse demorarmo-nos, um pouco, na agenda do governo, para a rentrée escolar. E o que se nota, desde logo, é que se trata de uma agenda mediática, com a presença do Primeiro-ministro numa escola de Oeiras (só pode ser um karma do Marquês, pois mudam-se os governos, mas todos eles acabam a prestar vassalagem naquele estabelecimento de ensino), da ministra da tutela em Guimarães, e de vários ministros, em diferentes pontos do país. A abrilhantar cada uma das ilustres presenças, a distribuição de computadores portáteis a professores e alunos, pondo, assim, em marcha os projectos e-Professores e e-Escola, projectos que nos remetem, de imediato, para uma imagem de Escola de excelência, servida pelas mais modernas tecnologias, e propiciadora dos melhores resultados. Não satisfeita com este apetitoso “bolo”, aproveitou a ministra para nele vir hoje colocar a “cereja” de prometida escolaridade obrigatória de 12 anos, a ser uma realidade já em 2009, a tal mézinha que, nas palavras da excelsa senhora, irá «criar condições para que, dentro de dois anos, todos os jovens permaneçam na escola até aos 18 anos».
Postos os factos do dia, apagados os holofotes dos telejornais, e descartado qualquer comentário a propósito da propaganda, de tão habituados que já estamos a ela, vamos ao que interessa. E se o que interessa, mais do que os pontos de partida, são os resultados, estes, apesar do ruído do governo e da maneira habilidosa como este baralha os números, continuam a ser tão maus, que nos restam poucas esperanças de levar a bom porto esta barcaça da educação.
Fosse o ME uma empresa privada, num país a sério, e os resultados que apresenta, face ao investimento que faz, já teriam tido como consequência a demissão da “CEO” em funções. Subservientes, há por aí uns líricos que dizem que Roma e Pavia não se fizeram num dia, que está em curso uma revolução silenciosa (hum? tiraram o som à televisão?), que este governo está a mudar o panorama da educação em Portugal, blablabla… Os que assim pensam, ou são umas santas almas, ou o fado corre-lhes nas veias, ou não resistem a pregar um bom embuste ao povinho. Acham que é má-língua minha? Ora, perguntemo-nos: são computadores às dúzias que, por si sós, resolvem o problema de currículos inapropriados, desajustados e sem coerência horizontal e vertical? ou que conseguem suprir a falta de condições básicas, em recursos humanos e materiais, de muitos estabelecimentos de ensino? ou compensar o excesso de alunos por turma? ou resolver lacunas importantes na formação inicial e contínua de professores? ou acabar com os problemas da violência nas escolas? Não, não é distribuindo computadores às pilhas, gastando dinheiro em quadros interactivos, que quase ninguém sabe utilizar, ou multiplicando as salas TIC, que vão fenecendo por falta de manutenção, que estes problemas se resolvem. Sou, por pensar assim, contra o facto de se equiparem os estabelecimentos de ensino com material tecnologicamente avançado, ou de se facilitarem condições para que alunos e professores se tornem melhores utilizadores das novas tecnologias? De modo nenhum, mas é do senso comum que antes de passar ao baile se alimente o corpo com a boa mesa, e o que se assiste com este desgoverno é que tem sido descurado o mais básico, porque não atrai o primetime televisivo, e, em manobras de novo-rico, se gastam milhões em equipamentos, que em muitos países ricos são considerados um luxo. É inquestionável que as medidas do governo na gestão e organização escolar, na política de contratação de docentes e técnicos, na reorganização da carreira docente e na gestão do parque escolar têm sido poucas, mas podiam ter sido, por isso mesmo, boas. Ora, não são, e, quando analisadas desapaixonadamente, facilmente se lhes descobre o pendor fortemente economicista, cego e com preferência pelo acessório, a falta de visão estratégica, a ausência de inovação e uma orientação global mais condizente com a vontade de aligeirar responsabilidades à administração, do que de criar verdadeiros redutos de autonomia e de excelência no universo escolar.
Iniciámos mais um ano lectivo, neste faz-de-conta morno, que se vai tornando habitual, e que é tão verdadeiro como a afirmação da ministra de que com uma escolaridade obrigatória de 12 anos criamos condições para que «todos os jovens permaneçam na escola até aos 18 anos». Esquece ela, oportunamente, que não é por termos uma escolaridade obrigatória de 9 anos que vem diminuindo o abandono escolar, em jovens do 2º e 3º ciclos, mas nem vale a pena lembrar-lho, que a senhora desmente os números, por mais insuspeitos que sejam os organismos internacionais que os produzem. É preferível fazermos todos de conta que acreditamos na propaganda oficial, e, cantando e rindo, como no tempo do outro senhor, batermos palmas quando a caravana ministerial chega.

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