Friday, September 29, 2006

Provocação

Já passou do discurso dos gurus da boa gestão para a realidade das empresas o recurso ao teletrabalho, seja este interno, ou externo, às fronteiras nacionais. É esta uma realidade imparável, e inquestionada, surgindo este alargamento do mercado de emprego à escala global como uma imperdível oportunidade de desenvolvimento e crescimento das economias e dos tecidos empresariais.
Aceite esta realidade, porque teremos tanta dificuldade em perceber que não está longe o dia em que teremos os pais a exigir poder escolarizar os filhos sem o recurso permanente à escola material? Sabendo-se como são hoje as escolas espaços de violência e de ameaça à segurança física e à saúde psicológica dos que a frequentam, só não se percebe como é que a questão não está, já, em cima da mesa negocial.

Thursday, September 28, 2006

strana et illicita

Ainda há dias, a comentar um excelente post do meu amigo Anthrax, dizia eu que as declarações do Papa, que tanta celeuma levantaram no mundo islâmico, não seriam um acto isolado, que não tivesse um muito elaborado objectivo, para propiciar a Bento XVI a oportunidade de enviar ao mundo não islâmico um sinal oculto sobre o caminho de coragem, porque de sofrimento também, que o futuro nos reserva. Parecia-me, então, que o "erro" do Papa mais não seria do que uma sua determinada opção de procedimento, cujas consequências demonstrariam ao mundo que está unilateralmente declarada, e iniciada, a guerra religiosa, que determinará o regresso dos cristãos às catacumbas.
O episódio do cancelamento da ópera Idomeneo, infelizmente, parece dar-me razão. Se já nos sentimos obrigados a condicionarmos as nossas manifestações artísticas e culturais ao temor de ferir as susceptibilidades do Islão, não estaremos muito longe da clandestinidade, como a que os primeiros seguidores de Cristo viveram. Pelo que conhecemos da história, e porque faz parte da natureza do fenómeno religioso uma dimensão de fanatismo e de intolerância, que os contextos adversos e as ameaças externas justificam e legitimam, este recuo dos cristãos ao medo e ao papel de vítimas da perseguição e do terror, poderá não ser o fim, mas a melhor das oportunidades para um novo fulgor da religiosidade cristã. Ninguém poderá acreditar que Bento XVI não tenha percebido que, sendo esta uma guerra desigual, nunca a poderemos ganhar, "desarmados" como estamos por uma religiosidade amorfa e uma esquizofrénica, e cínica, cultura da paz. Como líder do mundo cristão, Bento XVI fez o que lhe compete:escolheu a melhor estratégia para o combate que lhe é imposto.

Wednesday, September 27, 2006

«O Estado, afinal, é um falso problema.»

Remata-se, assim, o artigo de Helena Garrido no DN que nos dá conta que «o relatório sobre competitividade do Fórum Económico Mundial é uma vergonha para os gestores e empresários portugueses e um elogio às instituições públicas. Portugal desceu do 31.º lugar para o 34.º entre 125 países fundamentalmente por causa do mau funcionamento das instituições privadas. Afinal, a fraca imagem do País deve-se em grande parte ao sector privado.»
Quase dá vontade de pôr alguns governantes, muitos gestores e quase todos os empresários portugueses a estagiar nos organismos do Estado.

Tuesday, September 26, 2006

«Be not ashamed of mistakes and thus make them crimes.»*

O INFARMED e a DECO divergem nos estudos que efectuaram sobre o comportamento do preço dos medicamentos vendidos fora das farmácias, vindo a defesa do consumidor alegar ter esse preço sofrido um agravamento após a liberalização. Acredite-se no estudo que parecer mais fiável, mas a divulgação destes dados da DECO tem um efeito útil, aliás como recomendado no referido estudo - ou os consumidores têm uma atitude mais vigilante e procuram os estabelecimentos que praticam os preços mais baratos, ou ninguém virá acautelar o cumprimento dos alegados objectivos do governo com a liberalização. Mais uma vez, gato por lebre...
*Confucius

Significado

Leio, aqui, que o "Ministério das Finanças anunciou ao início da noite que a Comissão de Revisão do Sistema de Carreiras e Remunerações (CRSCR) dos funcionários da administração pública cessou funções". Se a notícia não me surpreendeu, em contrapartida há um quebra-cabeças (só quebrará a minha, por certo...) que me vem ocupando, nas últimas semanas - por que estranhíssima razão estão os serviços da Administração Pública a providenciar caríssimas formações aos seus funcionários, num momento em que a incógnita sobre a reestruturação orgânica se mantém, em que cresce o ruído sobre o contingente de excedentários que se irá constituir e em que a quase generalidade dos organismos vê os seus orçamentos emagrecer de tal forma que, se fossem modelos, não poderiam desfilar em Madrid.
Admito, andava aqui com uma pulga atrás da orelha, o que me levou a investigar as possíveis causas para a súbita fúria formadora que varre a AP, e, como quem procura encontra, julgo ter descoberto uma razão pertinente. Pode não estar "cientificamente" comprovada, mas que tem pernas para andar, isso tem. Vejamos o que se encontrou: 1º - as acções de formação abrangem um "catálogo" tão exaustivo, que não haverá funcionário que não encontre pelo menos uma acção que não se adapte às funções que exerce; 2º - os diferentes organismos estarão a candidatar praticamente TODOS os seus funcionários a duas acções de formação; 3º - as secretarias-gerais dos diferentes ministérios estão a seleccionar um número anormalmente elevado de funcionários propostos pelos organismos para acções de formação, independentemente de serem estes oriundos de serviços extintos, de acordo com o PRACE; 4º - a formação não está a ser efectuada com recurso à prata da casa, antes é levada a efeito por empresas privadas de formação e consultoria; 5º - no conteúdo das formações não é difícil encontrar um "alinhamento" muito nítido com o discurso governamental sobre os males que este identifica no funcionalismo, a que se soma uma indisfarçável colagem às soluções preconizadas pelo executivo para o saneamento e modernização do sector. Constou-me, até, que algumas dessas sessões de formação têm sido tão "animadas", que começa a transpirar o mal-estar de alguns que a elas assistem.
Portanto, tenho cá para mim que haveria por aí uns amigalhaços que estavam a precisar de ganhar uma pipa de massa, que deveria haver uns sacos azuis perdidos por umas gavetas dos ministérios, que se resolveu juntar o útil ao agradável e, já que estavam com a mão na massa, decidiram aproveitar para amestrar os funcionários, repetindo-lhes, à exaustão, a teoria de que aqueles que não estão com a "reforma" estão contra ela, e que, a bem da nação, há que praticar uma excisão profilática, para que se possa garantir a "pureza" da espécie... (o outro senhor começou assim e acabou a queimar o que sabemos)
A conclusão será abusiva? Talvez, talvez...

Monday, September 25, 2006

Antologia

Eremitério
mais nada se move em cima do papel
nenhum olho de tinta iridescente pressagia
o destino deste corpo
os dedos cintilam no húmus da terra
e eu
indiferente à sonolência da língua
ouço o eco do amor há muito soterrado
encosto a cabeça na luz e tudo esqueço
no interior dessa ânfora alucinada
desço com a lentidão ruiva das feras
ao nervo onde a boca procura o sul
e os lugares dantes povoados
ah meu amigo
demoraste tanto a voltar dessa viagem
o mar subiu ao degrau das manhãs idosas
inundou o corpo quebrado pela serena desilusão
assim me habituei a morrer sem ti
com uma esferográfica cravada no coração .
Al Berto

«Só se possuem eternamente os amigos de quem nos separamos.»*


Todos conhecemos os casos de falsos abandonos, quer como chamada de atenção, quer como instrumento de medição da importância que se terá no círculo de pertença. Desde personagens públicas, que protagonizam vários fins de carreira, aos episódios vários das vidas de anónimos cidadãos, é recorrente o fenómeno de desistências, partidas e pontos finais, que apenas têm por finalidade tentar revitalizar situações estagnadas, ou que mais não representam do que momentos menos bons dos que protagonizam essa milenar estratégia. Como fenómeno universal e antigo que é, não deixa de afectar, também, a blogosfera. É, portanto, legítimo, que, no último post, muitos dos que por aqui passem tenham querido ver uma mensagem de adeus, até porque o mesmo se prestava a essa leitura. Não era esse, contudo, o seu objectivo, pelo menos conscientemente não o era, apenas uma singela reflexão sobre como o passar dos anos nos vai esgotando a vida, quase sem darmos por isso. Um dia acordamos para essa realidade e percebemos, não sem um friozinho na espinha, que os horizontes temporais para que o mundo estabelece as suas metas do médio prazo estão já fora do nosso próprio prazo de validade. Assim, de mansinho, vivendo a espuma dos nossos dias, desperdiçando a sedução do nosso quotidiano, nos vamos despedindo de nós, e do mundo, a que, impropriamente, chamamos nosso.
Tudo isto, apenas para dizer que o crackdown não se despediu, não ensaiou uma saída de cena, não propiciou um encore. Teria este velho caderno de rascunhos de se levar a sério, ou, então, ter um elevado sentido de humor, para se dar ao ridículo de tais manobras. O crackdown limitou-se a preguiçar, talvez nostálgico, de certeza muito cansado, e podem crer que profundamente aborrecido com o espectáculo de puro e maçador ilusionismo em que se tornou a realidade portuguesa. Gozadas as férias, retemperadas as forças, espicaçada a moleza por alguns fait-divers, que poderão ter consequência, volta o bicharoco às lides blogueiras, para deitar conversa fora, como se merecesse a pena, para outro fim que não o prazer próprio de dar voz ao pensamento. Aos que perguntaram, aos que ralharam, aos que espicaçaram, aos que aceitaram, gostaria de dizer que, apesar de tal não se ter procurado, não deixou de ser muito reconfortante saber que a possível despedida do crackdown vos mereceu uns minutos de atenção. E como a vida é um permanente retorno, reencontramo-nos aqui, para mais dois dedos de conversa, ao sabor da brisa. "Sentindo-vos", ou não, é bom saber-vos por aí.
* Marguerite Yourcenar