Maria de Fátima viveu pouco e morreu bela, mas não feliz.
Quinze aninhos ceifados na dor do segundo parto, a parir o fruto de amor clandestino; inocente criança seduzida à força pelo galante e poderoso senhor da terrinha perdida nos montes. Vestiram-na de noiva, que nunca foi, num caixão pobre, que o pai, já demasiado velho, enterrou com a neta de dois anos agarrada às pernas. Ficaram-lhe as meninas e a memória da filha, criança alegre e amorosa, mulher prematura e infeliz. Memória com que criou as miúdas, tão forte que Maria de Fátima, que as filhas nem conheceram, está ainda presente na quarta geração dos seus descendentes pelas graças, pelo verso solto, pela cantiga incompleta. Havia, também, dois ou três brinquedos, mas perderam-se há muito no meio dos brinquedos das crianças da família.
Tarde cai a tarde
E a sombra vem andando pelo chão
Tarde cai a tarde
E a saudade
Também cai no coração
Pois alguém foi embora e não voltou
E outro alguém tão sozinho aqui chorou
Tarde cai a tarde
Cai o pranto dos meus olhos sem amor
Vento sopra vento
Levantando a poeirada pelo chão
Vento sopra vento
Sopra forte dentro do meu coração
Folha seca você já carregou
Então leva a saudade que ficou
Tarde cai a tarde
Cai a tarde na minha vida sem amor
Tarde cai a tarde
Cai a tarde na minha vida sem amor
António Carlos Jobim
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