Monday, March 20, 2006

«pour ne pas être les esclaves martyrisés du temps, enivrez-vous, enivrez-vous sans cesse de vin, de poésie, de vertu, à votre guise.»*

Que longe estamos do Maio de 68!
Estes jovens, em luta contra a precaridade do emprego, esmurram-nos com as diferenças.
* Charles Baudelaire

17 comments:

Anonymous said...

Será que estes jovens são assim tão diferentes dos de 68?

Rui Martins said...

são, na essência do seu protesto.., Em 68 protestavam conta o Sistema e a Favor de um conjunto de ideais (neste caso, à Esquerda), hoje o protesto é muito mais concreto e imediato: tem a ver com as suas perspectivas imediatas de trabalho e realização profissional.

Antes lutava-se pelo Ideal, hoje luta-se pelo Concreto.

Sinal ele próprio da mudança dos tempos e desse avassalador pragmatismo que apossou toda a Sociedade Ocidental...

crack said...

Caro Henrique Santos
O Rui Martins já se encarregou de avançar argumentos que eu utilizaria, pelo que não os repito.
Em síntese, direi que onde em 68 se buscava futuro, hoje exige-se passado; sinais dos tempos, é certo, mas também (e aqui encontro a subtil pertinência da sua pergunta)o que as novas gerações fizeram com a herança dessa esquerda de causas e de ideias, mas também do proteccionismo feroz e da acomodação aos patamares da mediocridade. O futuro não passa, certamente, por estes jovens e pelas soluções que exigem.

crack said...

Caro Rui Martins
Percebo o que quer dizer com avassalador pragmatismo, mas eu chamar-lhe-ia outra coisa, porque não há pragmatismo algum no que estes jovens querem. Se houvesse, saberiam que estão, apenas, a querer eternizar um sistema caduco e a optarem por soluções condenadas ao fracasso, a prazo. Estes jovens estão como o velhote que ilustra o seu comentário, e o que é triste é que ainda não deram por isso.

Anonymous said...

"Queremos as estruturas ao serviço do homem e não o homem ao serviço das estruturas"
Escrito nos muros da Sorbonne em 68

Ao contrário das outras opiniões, eu penso que estes jovens também estão contra o sistema, como acontecia em Maio de 68. Afinal, o sistema é ainda o mesmo.
Penso que estão a "idealizar" o Maio de 68 e a "valorizar" mal o alcance do Março de 2006.
Em 68 o concreto e imediato também estavam na ordem do dia.
Se perante mais um ataque legislativo que visa transformar, ainda mais, a maioria dos jovens (e os outros) em meras peças descartáveis da sociedade, se, estes jovens ficassem apáticos, então eu ficaria preocupado.
Os jovens que resistem a estas medidas não exigem passado, exigem um lugar na sociedade que não passe pelo papel descartável em que os querem colocar.

crack said...

Caro Henrique Santos
A cada um a sua opinião, como é óbvio. E a sua é acolhida com agrado, se bem que com discordância, sobretudo relativamente a essa sua preocupação com o descartável. Nem vale a pena repetir aqui toda a argumentação que vai por essa blogosfera fora (para não referir que fazem tese em alguns manuais), sobre as más consequências das políticas de rigidez em matéria laboral. Só serão descartáveis aqueles jovens que não provarem ser uma mais-valia para o respectivo empregador. O que estes jovens não querem é serem submetidos às regras de um mercado competitivo, temem o risco e anseiam por medidas proteccionistas. Anseios da mediocridade, a la française, comme d'habitude.

Anonymous said...

Caro Crack
eu poderia dizer que o amigo é daqueles que alinha pelo pensamento único neoliberal, cuja cartilha é generosamente expressa pelos abundantes e dominantes meios de comunicação social, universidades, etc. Só que gosto de ser mais concreto. Penso que o amigo não pertence ou pensa não pertencer aos possíveis descartáveis, papel a que a sociedade de mercado reserva a muitos. Espero bem que não. Penso que pensa que é por estar bem apetrechado de competências e de dedicação ao trabalho que isso não lhe acontece, nem acontece aos outros que assim se apresentam.
Só que a realidade é outra. A menos que seja um grande empregador ou alguém bem colocado no aparelho apropriação de "mais-valia" ou no aparelho de doutrinação que defende essa apropriação segundo as regras do mercado, a sua posição na sociedade pode perigar. E nem é preciso uma doença ou debilidade, basta que os operadores do mercado não o considerem mais válido na criação de "mais-valia".
Muitos dos jovens, franceses ou não, já perceberam que o que esta sociedade competitiva de mercado lhes reserva, por muito esforço ou aquisição de competências e saberes escolares ou para-escolares, é, para a maioria, a precariedade, o desemprego, a exploração. Daí decorem muitos dos seus comportamentos.. vistos sobranceiramente, por quem está, de momento, bem instalado na vida.

Anthrax said...

Caro Henrique Santos,

Na realidade não sei se estes jovens são iguais ou diferentes dos de 68, mas há uma coisa que sei é que estes não estão contra o sistema. Aliás, eles estão mesmo é a lutar contra a alteração do sistema no sentido, em que se é para trocar uma medida má por uma medida péssima, então deixem estar a má.

Na minha óptica isto não é lutar contra algo instituído, mas sim lutar pela manutenção do que já existe por ser o mal menor.

Anonymous said...

Caro anthrax
como,de facto, para pior já basta assim...
Penso, no entanto, que é em pequenas e particulares lutas e resistências que se adquire consciência de outras maiores e globais.
No Maio de 68, que teve vertentes estudantis e outras operárias, também havia lutas por pequenas reivindicações.
Penso que o Sistema treme de cada vez que isto acontece. E isso, para quem não se revê nele, como eu, é em si mesmo importante.

IC said...

Não concordo com alguns pormenores no que Henrique Santos escreveu, mas subscrevo o essencial:
"Afinal, o sistema ainda é o mesmo. (...) é em pequenas e particulares lutas e resistências que se adquire consciência de outras maiores e globais. (...)
Penso que o Sistema treme de cada vez que isto acontece. E isso, para quem não se revê nele, como eu, é em si mesmo importante."

Caro Crack, já tenho subscrito opiniões suas sobre outros assuntos, espero que não me leve a mal que não perfilhe o seu pensamento nesta temática mais de fundo :)

crack said...

Caro Henrique Santos

Duas pequenas notas prévias: (i) por opção de vida, procuro não analisar o que se passa no mundo à minha volta a partir do meu umbigo; (ii) apesar de repetidas experiências pessoais, que me poderiam levar a pensar o contrário, ainda acredito que o mérito compensa, quando pensamos em termos de realização pessoal, mas, sobretudo, quando está em causa o desenvolvimento das sociedades e dos povos.
Feito este esclarecimento, passo à frente, por despicienda, qualquer resposta ao processo de adivinhação que ensaiou, com base no "estudo de carácter" que, com imenso sentido de humor, teve a paciência de elaborar.
Numa Europa cuja sobrevivência depende da sua capacidade de encontrar o próprio rumo, como aceitar que jovens que deveriam lutar por trabalho, por inovação, por qualidade, por mobilidade, por futuro, encontrem o seu objectivo de vida na luta por um emprego certo, garantido, que lhes permita manter arredadas do seu quotidiano preocupações com a qualificação permanente, com os desafios do conhecimento e da modernidade, com a concorrência com outros saberes , outras culturas, outros mercados? É neste modelo estatista e protegido, cujos alicerces já tremem, que se quer construir a Europa competitiva que, como cidadãos europeus, temos a obrigação de erigir? Não me parece. Invejamos o desenvolvimento de economias nórdicas, da Irlanda, espantamo-nos com o crescimento de sociedades e economias asiáticas, até nos propomos importar medidas e modelos que nos tirarão da cauda de quase todos os rankings de desenvolvimento, e depois marchamos pelas margens do Sena contra o CPE? Decidamo-nos, de vez, sobre o que queremos.
E os custos sociais? perguntará. Haverá, decerto, e não serão negligenciáveis. Preocupam-me? Muito, certamente. Mas será que a solidariedade social e geracional só pode significar que deveremos afundarmo-nos todos, impondo a nós próprios prosseguirmos num sistema que já se provou esgotado? Não me parece.
Caro Henrique Santos, concordo consigo num ponto: não é fácil ser jovem, hoje, neste mundo em mutação (eu diria, mesmo, em convulsão), mas, acredite, é menos fácil não ser jovem e ver morrer na praia as expectactivas que uma vida desenvolvida dentro de um determinado sistema permitiu, legitimamente, criar. Será por isso justo querer amarrar o futuro ao inverno do nosso descontentamento? Permita-me pensar que não e acreditar na capacidade de fazer o futuro, que as novas gerações terão, porque essa parece-me ser a grande lição do passado que a ele não nos amarra.

crack said...

Cara IC
Divergências de opiniões são muito saudáveis, e, como sabe, muito bem acolhidas neste espaço.
Mas, confesso, pelo que conheço do seu pensamento e da sua ligação à juventude e ao sistema de formação, sobretudo sabendo que qualidade e exigência não são palavras vãs, para si, estranho uma completa discordância.
:)

Anonymous said...

Caro crack
desde já permita-me dizer que, para além das discordâncias de fundo, o considero uma pessoa com quem vale a pena confrontar ideias. Espero que seja recíproco. Peço-lhe desculpa se as minhas palavras indiciavam um julgamento de carácter que me parece particularmente injusto relativamente à sua pessoa.
Gostaria de continuar a tecer alguns comentários sobre o assunto que nos vem "entretendo":
-Há outras interpretações não dominantes, no sentido de não terem as benesses dos espaços informativos, universitários ou de poder, que me parecem particularmente interessantes e significativos, apesar de lutarem contra a corrente;
-os jovens não são uma entidade única, são entidades múltiplas: na televisão, em dia de manifestação ouvi uma jovem universitária muito "revoltada" por não a deixarem ir às aulas nesse dia; em função da sua situação pessoal e social e não particularmente pelos seus méritos ou dedicação, muitos jovens sabem ou pressentem o que os espera: o desemprego; a precariedade; a exploração;
-não nego o papel do "mérito", do esforço do ponto de vista pessoal, mas do ponto de vista dos grandes números, a "sorte" está muitas vezes decidida e viciada à partida;
-como evidentemente já sabe, pelo teor do meu discurso, sirvo-me de análises de proveniência "marxista" cujos matizes são mais variados e menos vulgares do que muitos supõem;
-as questões da globalização colocam problemas particularmente difíceis aos trabalhadores e particularmente aos jovens; a sua análise requer argumentos para além dos meus parcos recursos. Daí que eu não saia de algumas afirmações vulgares sobre esta temática. O que não é o caso de artigos e livros promovidos por uma revista americana de economia de orientação marxiana a "Monthly review" a que tenho tido acesso através do site Resistir.info, particularente os de uma autora chamada Ursula Huws;
-por último, é interessante notar que a prevista lei francesa (os alemães querem fazer o mesmo), prevê para os jovens menores de 26, um terço (despedimento livre até 2 anos) do que a lei promovida pelo ministro Bagão Félix (o código do trabalho) legislou para todos os trabalhadores precários (despedimento livre até aos 6 anos). Lei que apesar dos protestos sindicais lá passou aqui em Portugal. Porquê?
Cumprimentos

crack said...

Caro Henrique Santos
Se fosse o seu homónimo de 7 anos, que tenho o prazer de conhecer, dir-lhe-ia que a Monthly review é uma boa leitura, mas que há que diversificar, mesmo que dentro do mesmo alinhamento ideológico. :)Como não é o petiz em causa, limito-me a registar, com simpatia, o interesse que lhe tem merecido o tratamento deste assunto, neste blog.
Como os argumentos de ambos me parece terem-se encontrado sob o arco de uma divergência coerente, deixo-o com um breve apontamento de Sartre, um autor que muito aprecio e que, presumo, não andará longe das suas preferências:«Il y a bien des façons de séquestrer un homme. La meilleure est de s'arranger pour qu'il se séquestre lui-même.»
Les jeux sont faits (a propósito, uma boa leitura, do mesmo autor).
Bom fim-de-semana.

Anonymous said...

Caro crack
este meu comentário será o remate definitivo, da minha parte, ao tema lançado lançado pelo seu post, independentemente do que entender responder-lhe. Realmente o formato blog leva depressa a que, e até na melhor das hipóteses, se enquiste um "arco de divergência coerente".
Umas breves notas:
1.º-A diversificação das minhas leituras vai muito para além do campo ideológico em que me situo e dentro deste vai imensamente para lá do que o seu comentário me fez pressupor; aliás, penso ser impossíver entrar no jogo de qualquer debate sem conhecer relativamente bem as posições daqueles que pensam diferente de nós. Mesmo melhor do que aqueles que têm pensamentos parecidos;
2.ª- Penso ter o crack ensaiado um pequeno ensaio de humor de teor psicanalítico, em dois tempos, a que achei imensa graça.
3.ª- Como apreciador de poesia (eu também as aprecio e foi particularmente a sua citação de Baudelaire no post que suscitou, em conjunto com o seu comentário, a minha vontade de intervir) deixo-lhe de memória, uma frase que me ficou de um poema do Nuno Júdice: "a coerência é um mal desnecessário".
cumprimentos e até um próximo post, talvez.

crack said...

Caro Henrique Santos

Volte quando quiser, os seus comentários serão, sempre, muito bem recebidos.
De certo modo, terminamos a "lide" concordando, sobre a coerência, de certeza em Júdice, que citou, quem sabe se também em Pessoa, quando este, sobrevalorizando a necessidade da criação, entendia por desnecessária a vida.
Seja porque as teses psicologistas já nos libertaram do drama das nossas inconsistências, seja pela vaidade, qual de nós quer rever-se no duro retrato que Waldo Emerson faz da coerência humana? « Uma coerência tola é o espantalho das pequenas mentes, adorada pelos pequenos homens de Estado, filósofos e sacerdotes. Uma alma grande não tem nada que ver com a consistência...»
Et pourtant...

Anonymous said...

O que vai por aqui! E vale a pena?