Este senhor, que aparece identificado como editor, de seu nome Luís Carvalho, tem um artigo no Expresso online, que titulou como Sementes de Violência, no qual aborda assuntos como o assassinato do travesti do Porto, a marginalidade de um ex-concorrente do Big Brother, a ousadia das fotos das Jardins - mãe e filha, e, no que supostamente terá pretendido que fosse o corolário da sua cruzada opinativa, o que ele designa como o fim das baldas dos professores.
Deixo, por supervenientes para esta lide, todos os outros assuntos que lhe puxaram pela veia editorial, e limito-me às baldas dos professores, assunto que não o terá preocupado para além do procurado efeito galvanizante do leitor já predisposto a esfolar o "morto" que ele "assassinou", sem mesmo se ter dado ao trabalho de recolher alguma informação, ou, pelo menos, dedicar ao assunto uns minutos de reflexão.
Pois é, senhor editor, assim não vale, mas mesmo sabendo que recebe por aquilo que aqui debita e que, como qualquer profissional que não seja “baldista”, deveria ter sido cumpridor e eficiente, aqui lhe deixo umas dicas para que, numa próxima vez, pense um pouco antes de escrever. É o mínimo que o seu patrão lhe deveria exigir, já que se vê que não o exige a si próprio.
Devagar e por partes:
- escandalizou-se o senhor editor com o número de 8 milhões de horas de faltas dos professores num ano; não estando aqui em causa qualquer defesa de uma estapafúrdia aceitação/justificação das faltas dos professores como uma inevitabilidade do sistema, é bom que se pense em certos pormenores, que fazem alguma diferença e podem minimizar a “dimensão” do seu escândalo. Por exemplo: (1) já comparou as faltas dos professores, em dias de falta ao trabalho, com as dadas por igual número de outros profissionais, nomeadamente da função pública, para um equivalente período de tempo? Já experimentou comparar o número de faltas encontrado? E esse número continua a justificar-lhe o escândalo? (2) pensou, sequer, que um profissional que tem a sua assiduidade registada hora a hora diverge daquele que tem alguma margem de gestão do seu horário laboral, verificado este apenas às entradas e saídas, e em que, entre plataformas fixas e não fixas, jornadas contínuas, dispensas várias e possibilidades de acumulação de horas, consegue organizar o seu tempo individual e compatibilizar a sua vida pessoal com a profissional, de forma muito mais eficaz? (3) demorou-se um pouco que fosse a tentar perceber a natureza das funções docentes e o que ela implica no exercício da actividade profissional de milhares de professores? Para sua informação, e muito de passagem, lembro-lhe que cada professor tem que dar a cada turma, em cada hora, o máximo de si mesmo, do seu saber, do seu empenhamento, da sua capacidade de atenção e de resposta pronta, correcta e adequada; quantos profissionais “de gabinete” estão sujeitos à mesma pressão? “picado” o ponto, quantos de nós, que trabalhamos à secretária, não interrompemos para um café, um cigarro, dois dedos de conversa, um olhar ao jornal, ou, até, uma “voltinha” na Internet?; o professor não pode fazê-lo e os intervalos entre aulas não chegam, na maioria das vezes, para ir trocar um livro de ponto por outro; e que diríamos nós, familiares, se uma criança nossa chegasse a casa a dizer que abordou um professor no intervalo com uma pergunta e ele o mandou passear?! Nem é bom imaginar, que para cada utilizador da escola, seja, ou não, aluno das suas turmas, a cada professor, em cada momento, desde que entra na escola e até que sai, se exige que não deixe de estar disponível, atento e aprazível. Como vê, são especificidades da profissão, mas que devem ser muito cuidadosamente tomadas em conta, tanto para a criação de condições que viabilizem um bom e eficaz funcionamento das escolas, como para a definição de quais devem ser as exigências a que se sujeitam estes profissionais.
- nem lhe vou repetir uma evidência tão grande que, presumo, não lhe terá escapado – a de que os professores faltam legalmente, isto é, ao abrigo da legislação que os nossos eleitos, no governo, e os nossos representantes, na assembleia, têm entendido produzir; presumo, apenas, que perfilha daquela opinião, há muito enraizada em largas camadas de clientes do sistema educativo, de que ser professor é ser missionário e não apenas um profissional, abrangido por deveres, direitos e garantias, reconhecidamente intocáveis para todos os outros trabalhadores; bom, quanto a maneiras de pensar como é a sua, pouco há a fazer, e não é por acaso que, infelizmente, a escravatura ainda existe, dissimulada por esse mundo; neste caso, melhor teria ficado ao senhor editor clamar por uma rigorosa aplicação da lei, exigindo aos órgãos competentes a fiscalização devida e a actuação adequada, nos casos de abusos comprovados.
- quanto à “poção mágica” de Sócrates, as aulas de substituição, aparecem-lhe como uma grande medida, que, ao que julga, vai acabar com as baldas; ilusão sua, mas coitado, neste caso é apenas mais uma vítima da prestidigitação do governo, que assim ilude os menos informados. Já pensou um pouco sobre o que é, efectivamente, uma aula de substituição? Ela só existe se for dada por um professor da disciplina, que tenha o seu trabalho perfeitamente articulado com o professor titular da turma, caso contrário é, apenas, uma aula de guarda, em que os alunos, por estarem acompanhados por um professor, podem dedicar-se a actividades de socialização, de enriquecimento cultural, ou de estudo, mais positivas, do que as que fariam se estivessem largados à sua própria iniciativa. É um bom instrumento para melhorar a vida interna das escolas e evitar que os alunos ocupem os “furos” em actividades improdutivas, ou, até, perigosas para eles próprios e penalizantes para a organização da escola, mas daí a “vender-se” a iniciativa como a resolução de todos os males da escola e como a panaceia para as dificuldades de aprendizagem dos alunos vai um mundo de diferenças. E para não continuar iludido sobre o fim das “baldas”, peça ao ME uma análise comparativa das faltas dos docentes com este novo modelo de substituição e nos anos anteriores, e vai ver como os números ajudam a clarificar ideias. Entretanto, pode demorar um pouco os olhos em alguns estudos sobre doenças profissionais, conhecer os factores de risco da profissão docente, imaginar o desgaste que dá lidar, em permanência, com um interlocutor hostil e que o impede de concretizar, com sucesso, a tarefa a que se propõe e que lhe compete, e pode perceber que o professor será tudo menos um doente imaginário.
- finalmente, um esclarecimento: o trabalho do professor não é, também, como o de qualquer profissional de gabinete, não se esgota no seu local de trabalho, antes implica trabalho prévio de preparação e trabalho posterior de correcção de testes e de exercícios vários. Portanto, mesmo o professor que apenas esteja obrigado a 23 horas de trabalho na escola fica com 12 horas para esse trabalho profissional a nível individual, isto para trabalhar as 35 horas semanais a que está obrigado; se acha estas 12 horas tempo de mais, experimente ir dar umas aulas e vai ver como é. Aconselho-lhe a experiência, mas aviso-o que ser professor é, efectivamente, uma profissão de risco físico real e de contínuo esforço mental. Se duvida, e porque não deve ir totalmente desprevenido, convém informar-se de quantos casos disciplinares há por ano nas escolas portuguesas envolvendo insultos e agressões contra professores, e quantos docentes foram, só no ano lectivo transacto, parar ao hospital agredidos por alunos, dentro e fora da escola. Se depois de fazer a experiência, ainda achar esta profissão um luxo, venha cá e explique-nos porquê. Pode ser que tenha feito a descoberta do milénio. Até lá, modere a língua (a tecla), para não dizer (escrever) disparates!