Wednesday, July 09, 2008

Carta a Anthrax (2)

Vamos, portanto, "cumbersar", se encontrarmos assunto que nos mereça esfolar as meninges. E por falar em haver, ou não haver assunto, não chego a conclusão brilhante. Por um lado, inundam-nos de notícias e mais notícias, mas até o mais amorfo dos cidadãos percebe a facticiedade da maioria delas. Claro que vão entretendo as hostes e iludindo todos: os incautos, porque julgam que as paredes são de vidro e que tudo se sabe; os mais calejados, porque sabem que atrás de cada notícia há um “filme” oculto, mas raramente conseguem perceber exactamente onde este começa e, sobretudo, como acaba. À conta desta produção noticiosa em larga escala alimentam-se os shares e a guerra das audiências faz e desfaz directores de informação escrita e audiovisual, contratados e demitidos à velocidade dos pontapés de Ronaldo, ou da aprendizagem de italiano básico do Mourinho.
Notícias não faltam, as mais desvairadas, tanto que acontece como aos miúdos que se empanturram de chocolate, fartam. Um enjoo. Veja, amigo Anthrax, como a saga do sai-Menezes-entra-Manuela rendeu rios de palavrosas nulidades, apesar do espartano silêncio da senhora, que, por ser silêncio em tempo de palavras ocas, logo foi confundido com vazio de ideias. Será? Não será? Com o tempo de vida que ela já leva, com o que já viu e já fez, ideias não devem faltar-lhe, podem é sobrar-lhe algumas que nem às paredes confessa. Faz ela bem, que os romances de mistério há muito que subiram nas tabelas de vendas, relegando para o mofo das prateleiras os romances de capa e espada, em que o Pedro (esse menino que brinca às guerrinhas de incubadoras) e o Júdice (o tubarão que deu às docas e se finou entre a Praça do Município e São Bento) são sempre personagens principais.
Entretidos que andamos com o som dos apitos futebolísticos, com as contratações milionárias, com a tristeza das bandeirinhas que murcharam na aventura austríaca dos rapazes da camisola, mais com o Ronaldo que não-se-sabe-para-onde-vai-depois-do-pé-tratado, com o Scolari que deu ao pé, com o governo a apitar ao Madaíl, com o Vale e Azevedo a não apitar em Londres, com tanta apitadela, nem demos pela magia de os incêndios terem deixado de apitar grosso na abertura dos noticiários, por os exames também terem apitado baixinho (apitadelas fáceis não têm graça!), por a CML dever ter apitado em mute para resolver os seus problemas financeiros, por aqueles tubarões da alta finança e da alta política que têm andado a apitar onde não deviam, enfim, até já conseguimos nós próprios apitar para o ar afinadinhos com o governo, enquanto andam para aí uns camionistas a fazer umas gincanas mais radicais, coitadinhos dos rapazes.
Apitadela para cá, apitadela para lá, apitou-se valentemente quando se percebeu que vem aí a D. crise, coitada da senhora, andava ela esfalfada de tanto mandar avisos de chegada, mas os rapazes do governo perderam o norte à coisa e foi um Deus-nos-acuda, quando deram por a senhora estar já a apitar entre nós. Com ela, veio esse ser diáfano e matreiro, a ameaça, com tudo e mais um pouco na bagagem, e fortes apitadelas tem a criatura merecido, a ponto de, por exagerada a dose da apitadela, já se começar a desconfiar que se tanto ladra, não morderá.
E se nós por cá não estamos como as apitadelas mostram e estamos como as apitadelas escondem, lá por fora não se apita melhor, nem pior, valham-nos os efeitos uniformizadores da globalização. Os irlandeses apitaram desafinados e mandaram-nos a todos ir brincar para casa do vizinho; os polacos, que acharam graça à desafinação, desafinaram também e decidiram logo que também querem apitar diferente do que já apitaram.
Durão, o Barroso vai tentando manter o galinheiro em respeito, à força de melodiosas ou vigorosas apitadelas, maestro de um autêntico concerto polifónico, que ganharia aos pontos à mais inspirada das composições. A Bruni, melosa, vai apitando como pode e sabe, desviando as atenções do amor-perfeito que lhe calhou em sorte, e enquanto se apita ao decote exagerado da Merkl e às “noviças” do Berlusconi, os amigos do petróleo vão-nos mandando apitar baixinho, ou obrigam-nos a engolir um apito maior. Pelos states, a Hilária apitou tanto, mas tanto, que estragou o apito, e agora quem apita é o outro, que, tendo percebido que, nisto de apitadelas, não é quem mais apita que apita no fim, iniciou a era da apitadela selectiva, tão selectiva que até a Oprah, essa apitadora-mor, recebeu ordem de só apitar com guião aprovado previamente (a fazer fé no Jaime Silva, o apitador Obama é o coach de Sócrates para as legislativas de 2009, mas pode ser só uma apitadela despeitada do ministro marcelisticamente incompetente). Das profundezas das terras da coca saiu uma radiosa Ingrid Betancourt, a apitar alegremente, depois de seis anos de selva em que tinha tido que silenciar o apito (tinha?), e se o Chávez não apitou aqui o que queria, talvez tenha sido porque Uribe, entusiasmado com a apitadela do Rei de Espanha ao seu venezuelano colega, decidiu que chegou a hora de dar o ar da sua graça e apitou forte e eficazmente.
Como vê, amigo Anthrax, o crackdown hibernou, mas, enfastiado ou não, lá foi seguindo as apitadelas que os nossos diligentes servidores noticiosos nos vão disponibilizando, em doses impróprias para cardíacos, ou para gente que os leve a sério. E, se tal como a asneira, a apitadela é livre, pois por aqui me terá, sempre que uma apitadela mais descarada conseguir vencer esta preguiça imensa e me desafiar a voltar a transpor a barricada para o lado dos apitadores inconsequentes e descarados.
Parabéns a nós, meu querido amigo, que ao fim de quatro anos ainda sentimos este prazer mútuo de nos reencontrarmos “à volta” de uma boa apitadela! Vamos, então, a mais quatro anos?

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