Apontamentos de uma conversa de alguns alunos com uma jornalista, por Fernanda Câncio, no Cinco Dias:
«De repente, a conversa está nos professores: o que fez um deles chorar e sair da sala porque lhe disse que ele tinha ciúmes do melhor amigo, outro que “falava de sexo nas aulas” – “e não era tipo educação sexual”, atalha logo um –, “dizia que as mulheres não lhe resistiam” e um dia “meteu as mãos nas pernas de uma aluna”. Fizeram queixa à directora de turma, que levou o caso ao conselho executivo. “Disseram que ele ia levar um processo disciplinar”. “Mas não levou”, concluem. “Felizmente já não nos dá aulas, não gostávamos nada dele”.
Encorajados com a perplexidade da interlocutora, avançam para a “sotôra de português”. A “sotôra de português que está sempre a falar da ministra”. Como, a falar da ministra? Riem. “Ah, a dizer que ela devia deixar de ser ministra, que se devia ir embora, porque trata mal os professores…” E vocês, que dizem? “Não dizemos nada, ficamos ali a ouvir aquela seca. Às vezes interrompemos, ‘ó sotôra…’ [com ar de enfado]. Mas ela quando começa nunca mais se cala. Que tem nos avaliar a nós e depois ainda tem de avaliar os colegas, que é muito trabalho…” Rebolam os olhos. “Os professores sentem-se maltratados… E ela vem desabafar connosco, coitada”.
Não, nunca contaram isto aos pais. Sabem perfeitamente que está errado uma professora ocupar tempo de aulas a ventilar as suas objecções à política da educação, mas desculpam-na. “Os professores estavam habituados a ter regalias e agora acabaram-se…”, comenta a ruiva sardenta de olhos verdes, a mais alta do grupo. O moreno de óculos, cabelo escadeado e rosto angelical que o professor fez chorar acrescenta, rápido: “A minha mãe farta-se de trabalhar e está sempre a ser avaliada, porque é que os professores não hão-de ser?” Os outros concordam. A questão nasceu decerto das conversas lá em casa, mas nunca chegou à aula de português. Afinal, é a professora que os avalia, e não ao contrário – talvez eles não a queiram contrariar por isso, ou apenas porque, com 15 anos, têm maturidade suficiente para perceber que quem lhes devia dar o exemplo nem sempre está à altura. E porque são bons miúdos. Também há, aliás, há sobretudo disso, bons miúdos. Como estes, que mal ouvem, lá longe, tocar a campainha da escola se despedem, não sem antes acrescentar: “Mas não fique a pensar mal dos professores, temos professores muito bons”. E outros que não. Qual é a novidade? »
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